segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

É sempre aquela velha estória. O passado já foi, do futuro não se sabe e o presente é apenas um ponto. Um ponto que passou. Que passou. Que passou. Que passou... ad infinitum.
Então como é que só o presente - que não passa de um ponto insignificante - pode bastar pra alguma coisa? Não. Só o presente é pouco.

Quando não se tem nenhuma grande perspectiva de futuro - e veja bem, isso depende da área a que se refere. por exemplo, se não se vislumbar um grande futuro profissional, o presente passa a ser pouco e então nos agarramos ao passado, sendo que o passado nem mesmo precisa ter sido glorioso. e assim por diante com as outras áreas. - volta-se ao passado.

Nem toda história de amor acaba mal, ok.
Mas toda história de amor acaba. E você pode ter dado tudo de si, ou você pode ter se esforçado de menos ou demais. Indifere, ela acaba. Praquelas pessoas bem sortudas - ou esforçadas, sei lá - acaba só oitenta anos depois com a morte de uma das partes. Praquelas bem azaradas acaba algumas horas depois com uma das partes tendo ido embora e levado consigo todos os pertences da outra, deixando a outra amarrada à cama. Pras pessoas comuns - como eu e você - ela dura o tempo que tem que durar e, se tudo correr bem, sem muita mágoa guardada.

Eu e você fazemos parte do passado. Na verdade tanto eu quanto você fazemos parte do presente. Mas eu e você significando "a gente" fazemos parte do passado. Não tão glorioso, mas tivemos nossos momentos. Acontece que teve um momento - depois de anos - em que eu parei de acreditar no "a gente" no futuro. E só o presente é pouco. E no meu passado não havia só você. Eu me agarrei ao passado. Primeiro a todo passado que não era você. E fiz coisas terríveis. Depois, arrependida, me agarrei ao passado que era você. Mas é lógico que não foi suficiente. Ainda me faltava, ou melhor, nos faltava a perspectiva de futuro. E não dá pra viver a partir de um ponto, nem que esse ponto esteja acompanhado de memórias. O passado são só memórias. E eu não queria continuar me agarrando a elas.

Hoje eu aceito a sua condição de ponto e de memória. E eu gosto disso.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Sabe, eu vinha tendo esses delírios de grandeza...

Não, eu não sei.

Delírios de grandeza?

Não, imbecil, eu sei o que são delírios de grandeza. Quando eu disse "não, eu não sei" foi me referindo especificamente aos seus delírios de grandeza.

Ah bom. Mas na verdade você me cortou. Eu ia falar outra coisa, outra coisa sobre a qual a espécie dos meus delírios de grandeza não influi. Os delírios de grandeza eram apenas um prólogo.

Agora me diz porque é que alguém mencionaria delírios de grandeza se eles não influem no restante do discurso.

Não foi isso o que eu disse.

Foi sim. Eu ouvi. Você disse meus delírios de grandeza não influem na outra coisa.

Não foi isso o que eu disse.

Então o que é que você disse, hein hein?

Eu disse, numa construção verbal bem específia, eu disse: "...outra coisa sobre a qual a espécie dos meus delírios de grandeza não influi. Os delírios de grandeza eram apenas um prólogo." Entendeu? Se eu tenho ou tive delírios de grandeza, isso é o que importa. A espécie dos delírios não influi na narrativa.

Eu acho que a especificidade dos seus delírios de grandeza sempre influirão sobre a narrativa. Também acho que você tem convivido demais com um certo escritor curitibano...

Não venha com essa agora. Você sabe muito bem que eu jamais conviveria com qualquer escritor curitibano...

Então como é que você me explica a sua caixa de entrada dos e-mails? Há ali pelo menos dois escritores curitibanos bastante conhecidos.

O que é que você estava fazendo olhando a minha caixa de e-mails?

E não é só isso. Eu também vi as mensagens no seu celular!

O que é que você estava fazendo olhando as mensagens no meu celular?

Só respondo as suas perguntas depois que você responder as minhas!

O fato de eu conviver ou não com escritores curitibanos não influencia em nada esta narrativa. Já o fato de você ter, pelas minhas costas, xeretado nas minhas coisas...

Quem é que usa a palavra xeretado?

Talvez dois escritores curitibanos bastante conhecidos.

Não. Nenhum dos dois utiliza este linguajar do tempo do êpa.

Sim. Porque "do tempo do êpa" é bastante contemporâneo. Além do mais a sua expressão beira o regionalismo. E você sabe que nós odiamos regionalismos.

Nós quem?

Eu e pelo menos dois escritores curitibanos bastante conhecidos.

Você está tentando me ludibriar. Nada disso tem haver com os seus delírios de grandeza. Que delírios são esses, afinal de contas?

Bem, eu sempre tive a impressão de que eu poderia... ei, é você quem está tentando me ludibriar!!!!

Sim, e eu quase consegui.

O que diabos você estava fazendo olhando os meus e-mails?

Eu suspeitei que você ainda falasse com ela... e como eu tenho memória fotográfica, fotografei sua senha ma minha cabeça nos segundos em que você a digitou.

Você tem memória fotográfia?

É. Tenho.

Como é que você nunca me falou sobre isso antes?

Eu achei que você poderia ficar desconfiada...

Eu jamais desconfiaria de você.

Bem, talvez você devesse.

Por quê?

Afora o fato de eu ter memorizado a sua senha nos segundos em que você a digitou?

Foi um deslize. Mas eu sei que é porque você me ama.

Mas também porque eu venho mantendo contato com dois escritores curitibanos bastante conhecidos.

Eu não acredito.

Sim. E também com dois teóricos literários do Rio de Janeiro.

Eu não acredito.

E venho também, já há algum tempo, me comunicando com ela...

Eu não acredito. Os meus delírios de grandeza são fantasias de uma garotinha perto disso. Por que você fez isso com a gente?

Olha, eu andei sentindo que você estava distante. Já faz tempo isso. Foi aí que resolvi entrar no seu e-mail. Memorizei a sua senha nos segundos em que você a digitou. Entrei porque precisava saber se você andava distante porque estava se comunicando com ela.

Eu andava distante porque eu não sabia o que fazer com esses malditos delírios de grandeza. Eu pulei do telhado, sabia?

Você tentou se matar e não me contou?

Eu não tentei me matar. Não foi isso o que eu disse.

Você pulou do telhado e não tentou se matar?

Não.

Simples assim.

Não, simples seria se eu tivesse tentado me matar. Caso clínico de depressão. O problema é outro...

Meu Deus!!!

Sim. Exatamente.

Mas você deveria saber que pulando do telhado...

Delírios de grandeza. Por sorte eu não morri. Caí no toldo. E era isso que eu queria te contar hoje. Qua aquelas duas semanas que eu andei distante, que só falava com você por telefone, quando muito... bem, eu não estava querendo terminar tudo. Eu só estava me recuperando de uma série de contusões em decorrência da queda. Mas aí você se antecipou, não quis me ouvir...

Eu não devia ter olhado os seus e-mails.

Não. Não devia. Você poderia ter tido um pouco mais de paciência comigo.

Eu não fui capaz... eu não fui capaz de perceber...

E agora?

Agora eu já me comprometi com ela. Eu achei que você estava pronta pra fechar negócio com aqueles dois escritores... e os críticos literários disseram...

Tudo bem. Gente não foi feita pra voar. Eu deveria ter previsto algo assim...

Puxa, me desculpe. Me desculpe mesmo. Quem sabe em 2010?

Se eu não conseguir voar...

(a menina junta uma porção de papéis desordenados e sai. a outra fica olhando perplexa enquanto murmura para si "se eu não voar".)

Ei, espera.

(a menina, fora de quadro, volta.)

Você esqueceu sua caneta.

Obrigada.

(pega a caneta e sai. agora de vez.)