domingo, 30 de dezembro de 2007

Teoria Sobre o Esforço Repetitivo

Saldo:
8 latas de cerveja
25 cigarros
27 horas sem dormir

Resultado:
ainda desconhecido

Dia 28 deveria ser importante. Passou de raspão de novo. Arrancou a tinta da lateral. Barely touched. Mas. Tocou.

A simbologia com o número 28 faz sentido. Agora.

From the top. Never stop.

Você fala como a Marlene Dietrich. E eu sei que você sempre quis ser uma diva. Com seus chapéus casacos sapatos. Você dança desesperadamente. Tentando expurgar. Você sabe. E eu também sei. Há um hiato. Não. Poderia ser ditongo? Poderia ser ditongo. Mas. O português não permite. Você fala em casamento. Divas casam várias vezes. Eu digo que espero. Mas. A verdade. Não. Há um hiato. Um espaço entre o esôfago e. Eu estava lá. Eu sempre estive lá. Mas.

A menina de sempre. A menina de nunca. Tenta em vão. Encontrar as palavras certas. Sim. Em vão porque. Deep down. Ela sabe. E a outra menina sabe também. Não há mais o que ser dito. Palavras não são certas. Certo é o hiato. Espaço. Love and rockets. A Terra dos Elogios. Onde a grama é mais verde. E as pessoas cantam. A menina canta junto. The hills are alive with the sound of music. Foi uma tentativa. Frustrada. Em vão. Mas os pulsos permanecerão intactos.

Órgãos. Produzem sons e outras coisas. Bile. Passa pelo esôfago. Queima. Existe um pequeno espaço. Muito pequeno. Poderia não existir. Cirurgia para hiatos. Ditongo aberto no final. Como em chapéu. Não em sapatos nem em casacos.

Por que é que você me pediu em casamento?

A menina perguntou com olhar perdido. Com um misto de medo e necessidade de ouvir a resposta.

Não obstante, ela se manteve em silêncio.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

A menina se encontra. Encontra-se. Sozinha. Mas não sabe. Não. Não sabe. Nunca.

Um cartaz. Em que se lê. Todo mundo quer ser encontrado. Encontra-se.

Uma estória simples. Uma menina que se encontra sozinha. Não. Ela quer ser encontrada. Sim. Está sozinha. Sim. Quer se encontrar. Quer ser encontrada. Então. Encontra-se. As estórias simples começam pelo começo. Como em "ah eu sou um cachorro veloz". Pelo começo. Mas esta estória parece simples. E todos sabem. Todos sabem desde sempre que parecer não necessariamente é. Parece que sim. A menina está sozinha e quer ser encontrada. Com os pulsos intactos. Quer ser encontrada e a frase termina aí. Ser. Encontrada. Isso tudo. Está. Isso tudo está nos olhos. Não nos de quem vê. Nos olhos. A menina. Encontra-se.

Uma resolução de ano novo?

Uma resolução de ano novo?

Sim. Todos precisam de uma resolução de ano novo.

Ok. Deixe-me ver. Deixe-me ver...

Rápido.

A resolução é assim: cinco mega pixel.

Você entende sobre arranque? Um motor. Um motor de arranque.

A menina está sozinha. Com tempo para cerveja e cigarro. E para se encontrar. Não. Isso já foi. Ela se encontrou e agora o que ela quer. Não se sabe. Uma pessoa. Ainda desfocada. A menina quer casar. Sempre quis. Não sabe mais se isso é uma coisa que quer realmente. Ou se é. Incutido. Sociedade. Entende? A menina quer ser encontrada por alguém que a entenda. Entendimento é diferente de percepção. E difere também de parecer. Para entender é preciso compartilhar. A menina quer alguém que a queira como ela é. A menina quer casar. Uma casa. Com dois ou três gatos. Dois ou três cachorros. Dois ou três filhos. Dois ou três filmes bons por semana. Dois ou três pequenos problemas por mês. Dois ou três séculos de promessa. A menina quer ser encontrada.

Sabe qual é o seu problema?

É hipotética?

Os planos. Alguém tem que ceder.

Eu gosto desse filme. Toca La Vie en Rose.

Não. A vida não é assim.

A menina acende um cigarro. Pensa. Solta a fumaça. E permanece. Permanecer é diferente de parecer e de percepção e de ser. Permanecer é.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

O coração a teus pés. E você não o quis.

A menina não enxerga mais. Com os olhos.
A menina chorou por algum tempo. E vai continuar chorando. Por que? Bem, porque a vida é assim. Então ela tem os olhinhos inchados. E por isso. Justamente por isso não enxerga mais.
Durante um bocado de tempo a menina achou que seria o contrário. Que a sensação seria de alívio. Mas não. A sensação é bastante física. Como se alguém pegasse todos os órgãos - os maiores e os menores - da menina e torcesse. Com gosto. E deixasse todos eles ali, numa poça de gosma e sangue, no chão.

Você não pode pôr teu coração a meus pés. Mas eu posso colocar todo o resto de você. Tudo que você acredita ser. Isso eu posso. Tudo a meus pés. No chão. Porque não importa mais. E eu talvez nunca tenha me importado. Você. No chão.

A menina sente sangrar. E pensa que se um dia - não agora - resolvesse se matar, primeiro teria que raspar todo o cabelo da cabeça. É uma homenagem. E se mataria cortando os pulsos. Porque é mais bonito. Ouvindo Sigur Ròs. Mas agora é nítido. Sente sangrar. Como nunca antes. Sente a contração. De todos eles dentro de si. Cada célula dói. Sofre. E sempre exite um responsável.

Chega. Acabou.

A menina sabe que passa. Mas por agora não parece.
E volta a chorar.

Posso pôr meu coração a teus pés?

domingo, 9 de dezembro de 2007

She was the one love of my life and I let her go

O filme começa assim:

Um close em uma mão. A mão segura um cigarro. A câmera abre. Vemos que o que aparece é uma mão em um espelho retrovisor. Um pouco mais. E vemos o rosto do protagonista. Uns olhos azuis. Que transparecem toda a frustração. O protagonista sofre. Porque sabe muito bem. Sabe muito bem que não é amado. Que aquela pessoa a seu lado sofre de algum outro mal. Mas não isso que ele queria. O azul. Os olhos. Depressão.

A menina tecla teclas. Palavras que não servem pra porra nenhuma.

O protagonista. Desce do carro. Chega no lugar de sempre. E, sem que ninguém perceba, uma lágrima rola por sua face. Depressão. Ele não quer. Mas está. Queria uma arma talvez. Para o suicídio. Porque não consegue terminar. Aquilo que já acabou. Mas não. Inventa desculpas. Mas não.

A menina inventa um personagem imaginário. Para tudo isso acabar bastaria uma palavra. Mas a palavra não vem. As palavras nunca vem.

O protagonista pensa em se matar 20 vezes por dia. E uma única palavra faria com que ele não pulasse. Mas a palavra não vem.

A menina está cansada. De inventar outras vidas que não a sua. Mais interessantes.
Então desliga o computador. E chora. Esperando que alguém a salve.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Ontem.

Ontem eu senti saudade da minha mãe.
E não é que eu não sinta saudade dela em outros dias. Eu sinto. Mas ontem foi diferente. Eu senti uma saudade ainda mais abstrata, carregada de nostalgia. Nostalgia não sei bem do que.

Hoje.

Hoje existe uma ponte de safena. O meu coração transbordou. E eu me sinto transbordar para fora de mim. Eu não entendo bem essa raiva que me consome. Mas consome. Podia bem era consumir umas calorias. Mas não. Consome o que existe de bom. Não consome gorduras nem açúcar. Consome o que há de humano. Mas talvez o que existe de humano em mim seja justamente esta raiva que eu não compreendo direito. Daqui a poucos minutos eu vou causar uma crise ainda inimaginável. E depois eu vou e arrepender. Porque eu já terei gritado.

Amanhã.


Bem. Se eu posso prever algumas coisas. Amanhã eu estarei sem estar. Porque. Existem porquês. Erros de português e de datilografia. Eu queria dormir uma amanhã inteiro. Eu queria parar o mundo. Com o leve toque das palmas. Parar. E um orelhão. Dois ou três. Passos. Passo em frente a um ponto de táxi e uma lojinha de cacarecos. Odeio tudo isso. Odeio o centro da cidade. Odeio ter pressa. Mas a pressa é inerente.

Você está a poucos metros de distância de mim. Mas existe um abismo. E a única ponte é de safena. Cardiomioplastia para o mundo. Para transbordamentos. Para inundações. Pára. O computador sublinha boa parte das palavras que eu escrevo. E eu acabo acreditando na máquina e duvidando de mim. Não. Está certo. A estória que eu gostaria de contar termina em "foram felizes para sempre". Mas não é assim que acaba. Vejo um fim nebuloso e uma ponte.

A brevidade do tempo.
O dito pelo não dito. O vir atrás. Não. Ela não vem. Ela nunca vai. E eu fico a te esperar. Rarararararararararararararraaaaa.

Uma canção. Triste. Um menino que liga e não consegue falar. Manda mensagem. Uma menina que espera que a outra corra atrás. Venha falar. Dizer coisas. Qualquer coisa. Mas venha. Ela não vem. O brinquedinho é mais importante. Um menino que liga. Uma menina que sofre porque não conseguiu atender. Não conseguiu encontrar. E queria um café. Assim. Agora. De madrugada.

A menina está presa.
E tem apenas um último cigarro. Nenhum café. E uma pequena garrafa com água.
Ela adia. Mas sabe que a hora chega.

(Pausa para o cigarro.)

Sobre mim.
Eu sou esta. Que fuma demais. Bebe demais. Tem acessos de raiva. E prefere dançar sozinha. Quando ninguém pode olhar. Na tentativa de ser um gênio. Fama, dinheiro, carrões. Eu prefiro a coca-cola. Gosto pra caralho de elogio. Eles andam rareando por aqui. Eu prefiro dançar sozinha. Mas danço a dois se for juntinho. Na tentativa frustrada de uma vida interessante. Eu reinvento.

(Fim da pausa. Os cigarros acabaram. A paciência também.)

A menina que gosta de palavras. E quando fala. Fala mais que o homem da cobra.

O amigo que ainda vai escrever sobre a mãe do guarda.

A mãe do guarda. Ela própria. Uma salva de palmas por favor.

Textos.

São só palavras. Eu exijo ações.

São quase duas horas da manhã. 01:57 pra ser mais exata. Às duas e quinze eu enfio o pé na jaca. Se a coisa não desandar antes. Estou ficando sem palavras e quando as palavras acabam precisa-se de ações.

De poucos em poucos minutos o blog salva o que eu escrevo. Dá tempo de se arrepender. Não.

Quando o transbordamento é completo. Faltam poucas. Um fantasma. E uma fanta laranja. Eu sempre preferi fanta uva. A minha irmã amava fanta maçã.

Preciso falar da minha irmã. Mas não hoje. Agora. Amanhã talvez.

Duas horas da manhã. Sem cigarros. Presa num quarto. Com memórias. Lembra do jogo da memória? Eu tinha um com bichos. A vaca usava batom.

Simpática o caralho. Tu é vagabunda mesmo.

Tenho quinze minutos pra preencher. Não vou agüentar. Quero minha casa. Agora. Esperando. Você dá uma chance para que as coisas aconteçam de outro jeito. Você dá uma chance com tempo limitado. É pegar ou largar. Todos os caminhos estão abertos.

Uma molécula diz sim a outra e o que se tem é vida. Não. Antes eu escrevia textos desconexos e um filme por dia na minha cabeça. Agora, estas palavras, são tudo que me restou.

Lembra quando as coisas eram fáceis e não era necessário escrever um bando de palavras pra não se jogar da janela ou jogar alguém pela janela ou jogar várias coisas pela janela?

Duas horas e oito minutos. O tempo está se esgotando. Aquela musiquinha insuportável do Jeopardy toca na minha cabeça. Tan tan tan tan tan tan tan tan tan tantan. Dentro de sete minutos o nosso sinal será interrompido para manutenção da aparelhagem. A menina terá tomado pelo menos uma, ou mesmo cinco, das ações a seguir:

1) jogar-se pela janela.
2) gritar como uma louca desvairada.
3) jogar terceiros pela janela.
4) chorar como uma criança.
5) quebrar coisas preciosas de outras pessoa (jogando-as pela janela ou não).

Todos os transmissores. Atenção. Estado de alerta. Estado de alerta. Os cigarros acabaram. Não havia cerveja. Não havia café. A menina estava presa dentro de um quarto. E quem deveria mais se preocupar não estava nem aí. Estado de alerta. O tempo está se esgotando. A menina vai explodir. Em menos de 300 segundos. Faltam apenas 240 segundos para efetuação do seu pedido. Por favor, aguarde!

Erro. Protocolo 30089 deve ser ativado. Holocausto à vista. Em 80 segundos.

79, 78, 77, 76, 75, 74, 73, 72, 71, 70, 69, 68, 67, 66, 65, 64, 63, 62, 61...

Eu queria dizer que eu sinto muito.
Não. Isso também é mentira.

Duas e quinze.
Existem frações de segundo em que não se sabe muito bem o que fazer com as mãos.

Nesta fração, talvez um dezesseis avos, a mão vai até o bolso. Até o bolso e encontra um papel. Um ingresso de cinema. A mão encontra um ingresso de cinema de um filme ruim. Um filme ruim carregado de lembranças boas.

Jacques se sentiu obscuro novamente. Ele sabia que para viver no mundo um homem deve seguir seus costumes. E corações não eram mais usados.

Que uniforme devo eu usar para esconder meu coração?

Eu nunca entendi muito bem a matemática. Logaritmos, combinações, equações, frações. Mas também eu nunca entendi sobre partidas. De tabuleiro e de pessoas. E eu não entendo você. Por isso, dos males o menor. A matemática. Ainda assim é melhor. Porque é o que é. O que é exato. Como dois mais dois...

(Com uma roupa camuflada do exército o ator entra em cena.)

(A menina pisa. E aquilo que pisa é o mundo. O mundo à seus pés.)

Numa fração de segundos as mãos acendem um cigarro. A fala é algo superestimado. Tudo no seu corpo diz mais do que aquilo que você não me diz. O seu corpo diz que hoje é dia de domingo. E você sabe.

Põe a roupa nova. Aquela que você guardava para uma ocasião especial. Hoje é dia de domingo. Vai à missa. Depois um sorvete. E espera o dia acabar. Espera a sensação passar.

(Ao fundo uma canção avassaladoramente pop. Strokes, por que não?)

A peça começa assim:

sábado, 24 de novembro de 2007

Com uma coca-cola em uma mão. De lata. Se bem que de garrafinha seria mais bonito. Mas não. Era lata de coca-cola mesmo. Sem canudo. Com uma lata de coca-cola em uma mão e um cigarro...

Que cigarro?

Importa?

Bem, importa um pouco. Eu quero dizer, depende se é longo ou normal, se o filtro é vermelho ou não... essas coisas, sabe? Coisas cênicas.

Ok.

Com uma lata de coca-cola sem canudo em uma mão...

Na qual mão?

Ah! E isso importa? Sério, isso realmente importa? Será que não é bem mais interessante descrever o estado psicológico da personagem?

Não sei. Eu confesso que gostaria de saber em qual mão se encontra cada coisa...

Eu odeio as suas malditas reticências.

Desculpe. Ponto final.

Eu posso continuar?

Sim, por favor.

Com uma lata de coca-cola na mão esquerda e um cigarro qualquer, mas de filtro vermelho na outra...

Isso não devia ser auto-biográfico?

Mas é. Por que?

Porque se é auto-biográfico o cigarro deveria ter filtro branco.

Eu estava num dia ruim. Pronto? Além do mais, o filtro vermelho é mais "cênico".

Eu não gosto muito de você quando você é irônica.

Eu não estou sendo irônica. Estou sendo sarcástica. Deixa eu evoluir a porra do texto?

Vai lá. Mas você não está sendo honesta.

Aaaaahhhh!!!!

Com uma lata de coca-cola sem canudo na mão esquerda e um marlboro vermelho na mão direita a menina caminhava pela rua.

(Pausa)

Continua.

Não. Era só isso mesmo.

Que chinfrim.

Escreve você o texto então.

Se você me permite.

Por favor.

A menina andava. A menina andava pela rua. A menina andava pela rua sem saber. Sem saber aonde ir. E sem saber ao certo. Se parar. Sem saber ao certo se parar no orelhão era mesmo a idéia mais acertada. Sem saber. Parou. E colocou o cartão e discou os números. Antes do primeiro toque. Bastante tempo antes do primeiro toque. Desistiu. Pegou com a mão esquerda a coca-cola deixada de lado. E desajeitadamente. Do bolso. Do bolso de maneira desajeitada tirou a carteira de cigarro. E jogou na primeira lixeira que avistou. Pacto de sangue. Pensou em jogar fora também a coca-cola. Mas não. Aquela seria a última coca-cola. Queria se despedir daquele gosto. Já havia deixado muita coisa para trás sem se despedir. Não seria assim. Não senhor. Não com a coca-cola.

A menina andava. Já sem nada nas mãos. Só a chave. Mas era no bolso. Não nas mãos. E lembrou de uma música. Até porque ventava. E era novembro mesmo. Mas Sol não havia. Ao contrário. Parecia que o que se aproximava era chuva. Sem medo. Sem medo algum. Sem medo algum continuou. Porque de chuva. Ah sim. De chuva ela entendia. E gostava. E achava cinematográfico. Caminhar na chuva. Na rua. Sem fazendas. Pensou em outra música. Os primeiros. Os primeiros nesse caso não serão os últimos. Os primeiros pingos. E ela olhou para cima. Porque achava genial olhar para cima para ver os pingos de chuva caindo, lá do alto, em seus olhos. Mas os pingos pararam de pingar. Bolas. Nem assim.

E passou perto de todos os lugares familiares. Como quem se despede. Porque se despediria. Sim.

Isso é tão injusto.

O que é injusto?

As pessoas já gostam muito mais de você do que de mim. E é sempre assim na minha vida. As pessoas sempre gostam mais de outras pessoas do que de mim. Mas pelo menos eu tinha essa coisa, sabe? O "ser genial", o "ser inteligente e criativo", o "bem escrever". E agora. Não mais. Você me roubou isso também. Agora as pessoas gostam mais de você. E gostam mais das suas coisas. E pra mim, bem, nada sobrou. Entende isso que eu estou dizendo?

Entendo. E acho uma xaropada. Sem crise de genialidade. Não vou ser eu a ficar dizendo que você é genial. Não não.

Eu sei. Eu sempre soube. Que isso assim. Ia. Ia sim. Inevitavelmente. Acontecer.

Mas nada está acontecendo. É só sobre uma menina que se despede. Porque deixou de se despedir anteriormente. E se arrependeu. Porque várias vezes ela não sabia que aquela seria a última vez. Sabe? A última vez em que se sentiria aquele determinado cheiro. Ou o último abraço apertado. O último beijo. A última palavra. A última lua cheia. A última moça triste na janela. Um final. É preciso dizer adeus. Ainda que soe exageradamente dramático. Diga adeus ao seu coração.

Ao meu? Mas ele está no lugar. Veja.

Como se fosse possível abrir o peito.

É sério. Veja.

(A menina em crise abre o próprio peito com uma naturalidade sem igual. Como se a carne. Os nervos. Os órgãos. Como se a carne e os nervos e os órgãos fossem feitos de marzipã. E pulsa. No exato lugar. Pulsa uma lâmpada elétrica. Sem referenciais a nenhum autor alemão. É uma lâmpada elétrica de fato. E ela pulsa. Biologicamente inexplicável. Realidade. Uma lâmpada.)

Lâmpadas significam idéia. Isso significa. O seu coração está preso.

Sem interruptor.

No mundo das idéias. É preciso desligar. Antes que queime.

(A menina - a outra - toca a lâmpada. Rapidamente retira seus dedos daquela superfície e leva-os a boca. Queimados. Lâmpadas de idéia esquentam.)

Hum... não sei mais. O seu coração é quente. Deixa estar. Fecha o peito.

E diz adeus. Ou apenas um tchau de longe.

(Como se fosse fácil. Ali está. O peito. Reestruturado. Mas igual a antes.)

A menina caminha. E nas mãos apenas uma queimadura. Pequena. Diminuta. De nada. Olha para trás. Cerca de uns dez passos depois. E acena.

As despedidas não sabem que assim o são.

A menina - a outra - acena de volta. Porque acenos precisam ser retribuídos. Mesmo que da última vez.

Uma lâmpada. Uma menina. E a calma. De saber que nunca se está só. Nem que esta seja a última lua cheia. Ainda existe luz elétrica.

sábado, 8 de setembro de 2007

O barquinho de sushi já era. Longa vida ao estar pobre numa porra de cidade falida.

Eu deixo poemas no seu gravador. Escuta.

Eu já cansei das coisas não darem certo. De não fazer as coisas direito. De não escrever as coisas direito. E já cansei dessa vida insana de bar em bar. E de vomitar a bile. O barco afundou. This ship has sailed.

Cansei de nomes fictícios pra filhos fictícios. De possíveis doadores de esperma. De possíveis vidas menos deprimentes. Cansei de viver em um documentário ficcional. A vida não é a porra de um filme. Eu sei. Mas como assim o mundo não gira ao meu redor?

Eu devo iniciar um daqueles programas do AA. Um dos passos é pedir desculpa. Pois bem. Se você que está lendo isso - essas palavras sem porra de cuidado estético nenhum - já foi ofendido por mim... bem, me desculpe.

Fim da postagem. Fim do mau-humor. Fim de escrevr sem pensar.
Amanhã tudo volta ao normal. E eu volto a escrever mais bonitinho.
Fim.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Eu estou pronta para ter o meu coração partido, porque eu não posso ver além do meu próprio nariz nesse momento.

A música no som parece ter vindo de algum álbum do Roberto Carlos. Erro número um. Não. Não vem. É uma outra coisa. E a menina canta em inglês. Estados Unidos ou Inglaterra? Erro número dois. É um outro país. Escócia. Lá onde tem as famigeradas gaitas de fole? Lá onde tem as famigeradas gaitas de fole.

Eu tive que sussurrar.

Com cervejas. Hoje é o dia da espera. Por que? Por que ela não liga?
Com cigarros. Hoje é o dia do calabouço. Por que? Por que eu não consigo sair?

Nós temos milhares de amigos e roupas bonitas e uma carinha de anjo. Então? Então volta. Vamos deixar esse país. Vamos para um lugar quente. Será que você não vê as lágrimas nos meus olhos? Vamos deixar esse país. É o único jeito. Não. Esse é o seu jeito. Será que você não consegue ver as lágrimas nos meus olhos? Elas estão gritando que o amor acabou. Vamos deixar esse país. Não, eu vou ficar. Mas você não vai. Você vai deixar o país. Não. Não vou. Sem você não. Amor, você sempre vai estar por aqui. Então me diga uma coisa que você não entende. Você não vai ficar. Você não vê as lágrimas? Os sonhos. Os sonhos vão te levar para bem longe. Não. Você nunca fica.

Por que o amor acontece mais fácil no verão? Em dezembro. O que? Eu e você. Em dezembro. Não foi em janeiro? Em janeiro a gente admitiu. Mas foi em dezembro. Talvez tenha sido um longo processo. Talvez tenha começado na primavera. Não. Eu tenho certeza que foi em dezembro. Você acha que já ta na hora de te esquecer? Afinal, já é quase primavera. Mas está tão frio ainda. Eu sei. Mas já é quase primavera. Quase hora de se apaixonar de novo. O inverno ainda não acabou. E se você quiser se apaixonar em dezembro tudo bem. Ainda temos tempo. Você não acha que já é hora de me esquecer? Não. Tem três meses ainda pra isso. Já é hora. Seis e quarenta e oito.

O último competidor acaba de atravessar a linha de chegada. Ele cai. Muitos médicos em volta do corpo caído. Ele não parou. Ele terminou a prova num tempo recorde. Nunca ninguém levou tanto tempo quanto ele. Eu abrirei meu cérebro. Você vai me deixar um dia. (Som de teclado e gaita). A ajuda começa a se acumular em torno dele. Informações novas. Parece que ele já não respira. Sim. Ele já não respira. Acaba de chegar a ambulância. O que é que eu vou fazer? Eu vou rezar. E você. Você vai me abandonar. A ambulância. Os médicos. Todos em volta do corpo caído na pista. Ele completou a prova. Ele completou a prova num último esforço. Eu sabia que você me deixaria um dia. Mas completou a prova. Completou a prova num país estrangeiro. Ele saiu do seu país para isso. E aqui está. Ambulância. Médicos. Tudo resultou inútil. Mas ele completou a prova. Eu sabia. Sabia que você me deixaria um dia. Você não vê? Não vê as lágrimas?

(pausa para o cigarro.)

(com o cigarro na boca. Porque agora é agora.)

Eu nunca durmo. Eu nunca quero dormir. Meu medo é abrir os olhos. Acordar. E você não estar mais ali.

Baixo e bateria são sempre melhores do que todo o resto. E aí. E aí volta o teclado.

Diz pra onde você quer ir. Nós iremos. Você tem que ir. Então nós iremos. Não há mais tempo. Se é verdade, então por que nós estamos aqui? Verdade. Palavrinha difícil. E não é?

Parece uma música dos anos 80. Erro número três. É bem de agora. Eu lá tenho culpa de que a música muda completamente depois de meio minuto? Então não julgue antes de meio minuto. Lloyd Cole? Eu não acabei de dizer que a coisa é de agora? Bem de agora? Desculpa. Ignorante!

Por que você fez isso? Pra deixar tudo ruim de novo. Porque eu não agüento mais. Porque eu bebi algumas cervejas. Eu te odeio quando você bebe algumas cervejas. Você me odiaria mais se eu não bebesse algumas cervejas. Eu tenho que te deixar partir. Sim. Por favor. Me diga alguma coisa que me deixe partir. Eu conheci alguém. Você. Eu nunca imaginei que. Eu sei. Mas de certo modo eu estou feliz. Porque agora. Agora, bem, agora eu posso partir. Eu acho. Eu estou te dizendo isso porque quero deixar você partir. Eu nunca me senti assim antes. É como se o céu se abrisse e finalmente o mundo fosse um lugar bom. Existe um limite entre honestidade e sadismo. Desculpe. Eu não sei mais o que dizer. Então cale a boca. Você se apaixonou. Ok. Mas cale essa boca por favor. Quando foi? Quando foi que você me superou? Olha, eu não tenho culpa se você não conseguiu esquecer. Mas a escolha foi sua. Eu fiquei aqui. Fiquei para trás. E tive que me acostumar a ver a sua felicidade engarrafada pelas notícias distantes. Pelos comerciais de margarina e programas de tv ruins. Não. Programas de tv ruins não! Programas de tv bem ruins. Desculpe. Mas de tudo que aconteceu o pior foram os programas de tv. Cala a boca. Não calo. Porque eu cansei. Você entende? Cansei. Cansei dessa ladainha. De você não me deixar partir. E ficar remoendo todos os dias algo que nunca aconteceu. Eu estou apaixonada e agora o mundo é um lugar bom. Que bom pra você. Tomara que esse cara se revele um babaca. Cala a boca você agora. Esse cara que você espera que seja um babaca me trata como você nunca foi capaz. E perto dele eu me sinto bem. Como eu nunca me senti antes. Como eu nunca me senti com você. Então pense duas, três, vinte vezes antes de abrir a sua boca pra falar dele. Você passou dos limites. Todas as barreiras foram rompidas. Eu estou indo embora. Embora. Pra onde? Eu vou pro México. Novas possibilidades. E nunca mais pensar em você. Não vá!

terça-feira, 7 de agosto de 2007

A menina tenta. Tenta em vão. Tenta não desistir.

But I don´t feel like dancing. No sir, no dancing today.

A menina que agradecia. A menina que fumava. A menina que acreditava um pouco no mundo. Que comprava aquelas coisas de limpar o vidro do carro. Não senhor, não dançaremos hoje. A menina tenta.

E escrever peças de teatro. Uma que comece do final. E na qual não existam parâmetros. É só sobre amor, entende? Não é sobre futuro. Só sobre amor. Eu nunca chorei nos braços de outro alguém do modo como chorei nos seus. Está aí uma boa frase de efeito. Pena que não é minha. É de uma canção do The Dears. 22 - The Death of All the Romance. A morte de todo romance. Apressar o amor não leva a lugar nenhum. Uma peça de teatro. Começa pelo fim. E por isso não é sobre futuro. Sobre amor. Sobre amores e partidas. Sobre partidas. De xadrez. De ping-pong. A sua. A minha. Uma peça com trilha sonora boa. Porque todas elas são assim. Uma trilha sonora boa. Uma trilha sonora boa sobre amor. Quando é que a gente vai aprender que apressar o amor não leva a lugar nenhum?

A menina escreve um filme por dia. Um filme por dia na sua cabeça. Com diálgos e frases de efeito. Coisas que não funcionam bem num papel. Mas o que é que funciona bem no papel? Fasting love will lead us all to nowhere.

Essa deveria começar pelo fim. Porque, eu sei e você sabe, os finais quase sempre não são boa coisa. Todo bom final é triste ou redentor. Este deve ser triste. Para que alguém. Para que alguém, ainda que não do elenco. Alguém possa gritar eu devo vingar a morte de todo romance. I shall. Então, começa-se pelo fim. Porque se o fim está no começo. O que está no fim é o começo. E todo começo presta pra alguma coisa. Nem que seja pra tocar Mushaboom da Feist, que é uma música muito feliz. Dessas boas de dançar. Dessas que não servem para finais tristes. Talvez um final redentor. Então está tudo ao contrário. O fim é o começo e vice-versa. Muito bem. Muito bem. But I don´t feel like dancing. No sir, no dancing today.

Uma frase de efeito para o final do texto. Dou-lhe uma. Dou-lhe duas. Dou-lhe três. Não, nenhuma. Não senhor, nenhuma. Sem frases de efeito para términos. De textos e de relações. Terminemos com o começo. E por que não? A maioria das coisas começa, logo, termina em "oi, tudo bem?"

A menina tenta. Tenta em vão.

Oi. Tudo bem?

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Sobre The Shins

"Saint Simon"

After all these implements and text designed by intellects
So vexed to find evidently there's just so much that hides
And though the saints of us divine in ancient feeding lines
Their sentiment is just as hard to pluck from the vine

I'm trying hard not to pretend
Allow myself no mock defense
Step into the night

Since I don't have the time nor mind to figure out
The nursery rhymes that helped us out and make a sense of our lives
The cruel uneventful state of apathy releases me
I value them but I won't cry if the time was wiped out

I'm trying hard not to give in
Battened down to fair the wind
Rid my head of this pretense
Allow myself no mock defense
Step into the night...

Mercy's eyes are blue
When she places them in front of you
Nothing holds a roman candle to
The solemn warmth you feel inside
There's no measuring of it
As nothing else is love

I'll try hard not to give in
Battened down to fair the wind
Rid my head of this pretense
Allow myself no mock defense
Step into the night...

Mercy's eyes are blue
When she places them in front of you
Nothing really holds a candle to
The solemn warmth you feel inside of you

Cena 01

(o protagonista está deitado em uma cama. encara o teto branco. seus olhos azuis parecem vazios. no relógio perto da cabeceira da cama são 06:58. ele continua encarando o teto.)

voz em off:
quando eu era criança eu queria ser escritor. eu brincava que era jornalista. era jornalista mas na verdade queria escrever romances. queria ganhar o pulitzer. e carregava uma pasta. e brincava que fumava. e, de certo modo, brincava que era uma pessoa frustrada. mas ainda assim, tinha um sonho. e sabendo desde muito cedo sobre impossibilidades driblava a vida e fazia do meu sonho algo mais possível. na brincadeira eu era um bom jornalista investigativo, mas muito melhor escritor. muito melhor escritor.

(o relógio marca 07:00. o alarme dispara na virada para 07:01. o protagonista desliga o alarme. e permanece encarando o teto.)

voz em off:
hoja, aos quase trinta anos, não sou escritor. diabos, não sou nem jornalista. não servi pra coisa nenhuma e todo mundo sempre soube. na falta de habilidades criativas. hoje eu sou garçom. e nem sou um muito bom. todos os dias eu estou prestes a ser despedido. mas o dia passa e eu continuo lá. eu derrubo coisas. eu erro. na impossibilidade de um sonho eu não consegui nem encontrar qualquer coisa em que eu fosse realmente bom. e não sirvo muito para relacionamentos também. posso dizer com certeza que ela é infeliz. e eu sou infeliz.

(o protagonista senta. tem o peito nu. a câmera em plano americano.)

(os créditos começam a aparecer no canto de baixo do lado direito da tela. a música começa baixa e vai subindo. saint simon, dos shins.)

fim da primeira cena.

terça-feira, 31 de julho de 2007

Sobre o Tempo

Eu venho pensando bastante em questões temporais.

Se o passado é tudo aquilo que passou; se o futuro é tudo aquilo que ainda não veio; se o presente é um ponto. Apenas um ponto. Que passa rápido. Passou. Passou. Passou. E de novo. E de novo. Qual é o lugar que a eternidade ocupa? Porque não é algo que passou, não é algo que ainda não aconteceu. E com certeza não é apenas um ponto.

Eu ando feliz. Hoje comi sushi. E tenho luvas nas mãos. Então tenho estado quente. E pra noites frias uma garrafa pet com água quente. Sim, very white trash. Mas isso é um pouco de felicidade. E ficar jogada na cama. E escrever projetos em companhia de dois amigos dos mais queridos. Da minha melhor amiga no mundo. Sim, eu ando feliz. Eu paro feliz também. E deito feliz. E acordo. E a vida prossegue.

Não interessa muito se essas coisas acontecem num ponto. Se já passaram. Ou se ainda vão acontecer. Importa sim é pensar em barquinhos de sushi. Em vestidos brancos e uns poucos amigos. Importa saber o que é. Porque o que é existe. Independente do lugar que ocupe. Independente do espaço que o tempo ocupe. Algumas coisas, como o domingo passado vendo o circo do Faustão, simplesmente são. Very white trash. Mas ainda assim feliz.

O passado só pode existir morto. O presente são esses vários pontinhos de alegria. E o futuro... Espero que seja ao seu lado. Você sabe. Só pode ser. Sempre foi você. Dois filhos ainda, certo? Pedro e Aurora? Ainda te convenço que Aurora é o nome mais magnífico que a nossa filha poderia vir a ter. E que Aurora é nome de espumante brasileiro que até que é bom. E isso a gente compra e serve uma caixa para os nossos amigos quando a hora chegar. E ela chega logo.

Com um leve sorriso a menina encerra este texto. Salva. E posta. Porque isso é fim de capítulo. E início de vida. A menina sabe. Porque só queria um final feliz. Desde sempre.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Sobre Amores em Época de Pan-Americano

A menina chora. A menina chorou. A menina chorará.
Não se sabe bem o motivo. Acredita-se que seja TPM.

Hoje tem show do Magic Numbers no Rio. Amanhã em São Paulo. A menina descobriu isso hoje. Quando não se pode mais tomar nenhuma providência. Mas não por isso ela chorou. A verdade é que a menina chora quando alguém grita. A menina chora quando brasileiros ganham medalhas de ouro no pan e então toca o Hino Nacional.

A menina pega. O telefone. Disca os números. E espera.
Espera para ouvir uma voz conhecida. Espera para ouvir a voz calma do outro lado da linha. Espera vários toques. E nada. Ninguém atende. Triste fim. Não o de Policarpo Quaresma. O de uma estória. Mas então. Então ela tenta de novo. E ao tentar percebe que discou o número errado na vez anterior. Respira. Até porque não acredita em sinais. Então alguma coisa interrompe o momento e não pode levar os toque até o fim. Mais um atleta brasileiro é agraciado com uma medalha de ouro. Assiste. A menina chora quando brasileiros ganham medalhas de ouro no pan e então toca o Hino Nacional. Espera. Passou. Pega o telefone. Espera. Olha. Para só então repetir a operação. Desta feita com atenção redobrada. Que é para não errar nenhum numerozinho que seja. Espera. Um toque. Dois toques. Três. Corte certeiro. A bola toca o chão. Ponto. Do outro lado da linha aquela voz. Do outro lado da linha aquela voz que já sabe que é ela. Dou outro lado da linha aquela voz que já sabe que é ela e por isso não diz alô. Diz oi, com aquele tonzinho. Espera. E quem espera sempre alcança. Depois de várias contusões o Hudson conseguiu a medalha de ouro nos 1.500m. A voz. Acalma. A calma. A pausa. Oi. E tudo fica bem. E hoje a menina não chorará mais. A menos que a tv insista em repetir os momentos de entrega de medalhas.

São vários quilômetros de distância. Você lá e eu cá. Contudo a tua voz é ainda tudo que conforta. Saudade. E sábado chega depressa. E quem espera sempre alcança. Se bem que a Daiane dos Santos teve que se retirar da competição. O Rio de Janeiro nem é tão longe assim.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Sobre Quem?

Eu tenho uma coleção considerável de all stars. São 13 ao todo. As pessoas dizem: "Hey, cara! Esse não é um bom número." Mas eu não posso fazer nada. São 13. E eu tô numa fase em que eu só compro um novo se um dos velhos tá estragado. Mas estragado mesmo, com buracos na sola. Do tipo que não dá mais pra usar.
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JORGE: Nos anos 60 nos Estados Unidos as geladeiras eram do tipo que se abre por fora. De fora. Vocês já devem ter visto esse tipo de geladeira por aí. Aí quando a geladeira estragava as pessoas colocavam ela na garagem, e ela ficava lá jogada. As crianças, quando brincavam de esconde-esconde, se escondiam nas geladeiras e ficavam trancadas lá. Porque, como eu já disse, elas só abriam por fora.
Nos anos 60 nos Estados Unidos muitas crianças morriam por conta disso. Ficavam trancadas dentro das geladeiras e morriam. Aí então, o governo, muito preocupado, resolveu lançar uma campanha publicitária de milhares de dólares para conscientizar as pessoas do perigo das geladeiras abandonadas. Essa campanha explicaria para as pessoas que elas deviam jogar sua geladeiras velhas num depósito de geladeiras velhas. Assim as crianças não morreriam mais.
Só que nos anos 60 nos Estados Unidos um cara também começou a pensar na solução pra esse problema. Aí, 2 meses antes do governo lançar a caríssima campanha publicitária, esse cara lança a geladeira com ímã, dessas que se tem hoje em dia. A campanha era inútil. As pessoas foram atrás da mesma solução, só que com visões diferentes. A campanha tinha uma visão imediata, de remediar. Enquanto o cara, que deve ser rico pra caralho, pensou no todo.
Nos anos 60 nos Estados Unidos, como aqui no Brasil em 2006, as pessoas não olham a foto inteira. Elas estão tentando estancar o sangue e não parar a hemorragia.

A luz abre. Jorge tem um revólver na mão. Há muito sangue por todo o cenário, inclusive em seus braços e roupas. Há um corpo em uma poça de sangue no chão. Ele levanta. Coça a cabeça com a arma.