quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Ontem.

Ontem eu senti saudade da minha mãe.
E não é que eu não sinta saudade dela em outros dias. Eu sinto. Mas ontem foi diferente. Eu senti uma saudade ainda mais abstrata, carregada de nostalgia. Nostalgia não sei bem do que.

Hoje.

Hoje existe uma ponte de safena. O meu coração transbordou. E eu me sinto transbordar para fora de mim. Eu não entendo bem essa raiva que me consome. Mas consome. Podia bem era consumir umas calorias. Mas não. Consome o que existe de bom. Não consome gorduras nem açúcar. Consome o que há de humano. Mas talvez o que existe de humano em mim seja justamente esta raiva que eu não compreendo direito. Daqui a poucos minutos eu vou causar uma crise ainda inimaginável. E depois eu vou e arrepender. Porque eu já terei gritado.

Amanhã.


Bem. Se eu posso prever algumas coisas. Amanhã eu estarei sem estar. Porque. Existem porquês. Erros de português e de datilografia. Eu queria dormir uma amanhã inteiro. Eu queria parar o mundo. Com o leve toque das palmas. Parar. E um orelhão. Dois ou três. Passos. Passo em frente a um ponto de táxi e uma lojinha de cacarecos. Odeio tudo isso. Odeio o centro da cidade. Odeio ter pressa. Mas a pressa é inerente.

Você está a poucos metros de distância de mim. Mas existe um abismo. E a única ponte é de safena. Cardiomioplastia para o mundo. Para transbordamentos. Para inundações. Pára. O computador sublinha boa parte das palavras que eu escrevo. E eu acabo acreditando na máquina e duvidando de mim. Não. Está certo. A estória que eu gostaria de contar termina em "foram felizes para sempre". Mas não é assim que acaba. Vejo um fim nebuloso e uma ponte.

A brevidade do tempo.
O dito pelo não dito. O vir atrás. Não. Ela não vem. Ela nunca vai. E eu fico a te esperar. Rarararararararararararararraaaaa.

Uma canção. Triste. Um menino que liga e não consegue falar. Manda mensagem. Uma menina que espera que a outra corra atrás. Venha falar. Dizer coisas. Qualquer coisa. Mas venha. Ela não vem. O brinquedinho é mais importante. Um menino que liga. Uma menina que sofre porque não conseguiu atender. Não conseguiu encontrar. E queria um café. Assim. Agora. De madrugada.

A menina está presa.
E tem apenas um último cigarro. Nenhum café. E uma pequena garrafa com água.
Ela adia. Mas sabe que a hora chega.

(Pausa para o cigarro.)

Sobre mim.
Eu sou esta. Que fuma demais. Bebe demais. Tem acessos de raiva. E prefere dançar sozinha. Quando ninguém pode olhar. Na tentativa de ser um gênio. Fama, dinheiro, carrões. Eu prefiro a coca-cola. Gosto pra caralho de elogio. Eles andam rareando por aqui. Eu prefiro dançar sozinha. Mas danço a dois se for juntinho. Na tentativa frustrada de uma vida interessante. Eu reinvento.

(Fim da pausa. Os cigarros acabaram. A paciência também.)

A menina que gosta de palavras. E quando fala. Fala mais que o homem da cobra.

O amigo que ainda vai escrever sobre a mãe do guarda.

A mãe do guarda. Ela própria. Uma salva de palmas por favor.

Textos.

São só palavras. Eu exijo ações.

São quase duas horas da manhã. 01:57 pra ser mais exata. Às duas e quinze eu enfio o pé na jaca. Se a coisa não desandar antes. Estou ficando sem palavras e quando as palavras acabam precisa-se de ações.

De poucos em poucos minutos o blog salva o que eu escrevo. Dá tempo de se arrepender. Não.

Quando o transbordamento é completo. Faltam poucas. Um fantasma. E uma fanta laranja. Eu sempre preferi fanta uva. A minha irmã amava fanta maçã.

Preciso falar da minha irmã. Mas não hoje. Agora. Amanhã talvez.

Duas horas da manhã. Sem cigarros. Presa num quarto. Com memórias. Lembra do jogo da memória? Eu tinha um com bichos. A vaca usava batom.

Simpática o caralho. Tu é vagabunda mesmo.

Tenho quinze minutos pra preencher. Não vou agüentar. Quero minha casa. Agora. Esperando. Você dá uma chance para que as coisas aconteçam de outro jeito. Você dá uma chance com tempo limitado. É pegar ou largar. Todos os caminhos estão abertos.

Uma molécula diz sim a outra e o que se tem é vida. Não. Antes eu escrevia textos desconexos e um filme por dia na minha cabeça. Agora, estas palavras, são tudo que me restou.

Lembra quando as coisas eram fáceis e não era necessário escrever um bando de palavras pra não se jogar da janela ou jogar alguém pela janela ou jogar várias coisas pela janela?

Duas horas e oito minutos. O tempo está se esgotando. Aquela musiquinha insuportável do Jeopardy toca na minha cabeça. Tan tan tan tan tan tan tan tan tan tantan. Dentro de sete minutos o nosso sinal será interrompido para manutenção da aparelhagem. A menina terá tomado pelo menos uma, ou mesmo cinco, das ações a seguir:

1) jogar-se pela janela.
2) gritar como uma louca desvairada.
3) jogar terceiros pela janela.
4) chorar como uma criança.
5) quebrar coisas preciosas de outras pessoa (jogando-as pela janela ou não).

Todos os transmissores. Atenção. Estado de alerta. Estado de alerta. Os cigarros acabaram. Não havia cerveja. Não havia café. A menina estava presa dentro de um quarto. E quem deveria mais se preocupar não estava nem aí. Estado de alerta. O tempo está se esgotando. A menina vai explodir. Em menos de 300 segundos. Faltam apenas 240 segundos para efetuação do seu pedido. Por favor, aguarde!

Erro. Protocolo 30089 deve ser ativado. Holocausto à vista. Em 80 segundos.

79, 78, 77, 76, 75, 74, 73, 72, 71, 70, 69, 68, 67, 66, 65, 64, 63, 62, 61...

Eu queria dizer que eu sinto muito.
Não. Isso também é mentira.

Duas e quinze.
Existem frações de segundo em que não se sabe muito bem o que fazer com as mãos.

Nesta fração, talvez um dezesseis avos, a mão vai até o bolso. Até o bolso e encontra um papel. Um ingresso de cinema. A mão encontra um ingresso de cinema de um filme ruim. Um filme ruim carregado de lembranças boas.

Jacques se sentiu obscuro novamente. Ele sabia que para viver no mundo um homem deve seguir seus costumes. E corações não eram mais usados.

Que uniforme devo eu usar para esconder meu coração?

Eu nunca entendi muito bem a matemática. Logaritmos, combinações, equações, frações. Mas também eu nunca entendi sobre partidas. De tabuleiro e de pessoas. E eu não entendo você. Por isso, dos males o menor. A matemática. Ainda assim é melhor. Porque é o que é. O que é exato. Como dois mais dois...

(Com uma roupa camuflada do exército o ator entra em cena.)

(A menina pisa. E aquilo que pisa é o mundo. O mundo à seus pés.)

Numa fração de segundos as mãos acendem um cigarro. A fala é algo superestimado. Tudo no seu corpo diz mais do que aquilo que você não me diz. O seu corpo diz que hoje é dia de domingo. E você sabe.

Põe a roupa nova. Aquela que você guardava para uma ocasião especial. Hoje é dia de domingo. Vai à missa. Depois um sorvete. E espera o dia acabar. Espera a sensação passar.

(Ao fundo uma canção avassaladoramente pop. Strokes, por que não?)

A peça começa assim:

sábado, 24 de novembro de 2007

Com uma coca-cola em uma mão. De lata. Se bem que de garrafinha seria mais bonito. Mas não. Era lata de coca-cola mesmo. Sem canudo. Com uma lata de coca-cola em uma mão e um cigarro...

Que cigarro?

Importa?

Bem, importa um pouco. Eu quero dizer, depende se é longo ou normal, se o filtro é vermelho ou não... essas coisas, sabe? Coisas cênicas.

Ok.

Com uma lata de coca-cola sem canudo em uma mão...

Na qual mão?

Ah! E isso importa? Sério, isso realmente importa? Será que não é bem mais interessante descrever o estado psicológico da personagem?

Não sei. Eu confesso que gostaria de saber em qual mão se encontra cada coisa...

Eu odeio as suas malditas reticências.

Desculpe. Ponto final.

Eu posso continuar?

Sim, por favor.

Com uma lata de coca-cola na mão esquerda e um cigarro qualquer, mas de filtro vermelho na outra...

Isso não devia ser auto-biográfico?

Mas é. Por que?

Porque se é auto-biográfico o cigarro deveria ter filtro branco.

Eu estava num dia ruim. Pronto? Além do mais, o filtro vermelho é mais "cênico".

Eu não gosto muito de você quando você é irônica.

Eu não estou sendo irônica. Estou sendo sarcástica. Deixa eu evoluir a porra do texto?

Vai lá. Mas você não está sendo honesta.

Aaaaahhhh!!!!

Com uma lata de coca-cola sem canudo na mão esquerda e um marlboro vermelho na mão direita a menina caminhava pela rua.

(Pausa)

Continua.

Não. Era só isso mesmo.

Que chinfrim.

Escreve você o texto então.

Se você me permite.

Por favor.

A menina andava. A menina andava pela rua. A menina andava pela rua sem saber. Sem saber aonde ir. E sem saber ao certo. Se parar. Sem saber ao certo se parar no orelhão era mesmo a idéia mais acertada. Sem saber. Parou. E colocou o cartão e discou os números. Antes do primeiro toque. Bastante tempo antes do primeiro toque. Desistiu. Pegou com a mão esquerda a coca-cola deixada de lado. E desajeitadamente. Do bolso. Do bolso de maneira desajeitada tirou a carteira de cigarro. E jogou na primeira lixeira que avistou. Pacto de sangue. Pensou em jogar fora também a coca-cola. Mas não. Aquela seria a última coca-cola. Queria se despedir daquele gosto. Já havia deixado muita coisa para trás sem se despedir. Não seria assim. Não senhor. Não com a coca-cola.

A menina andava. Já sem nada nas mãos. Só a chave. Mas era no bolso. Não nas mãos. E lembrou de uma música. Até porque ventava. E era novembro mesmo. Mas Sol não havia. Ao contrário. Parecia que o que se aproximava era chuva. Sem medo. Sem medo algum. Sem medo algum continuou. Porque de chuva. Ah sim. De chuva ela entendia. E gostava. E achava cinematográfico. Caminhar na chuva. Na rua. Sem fazendas. Pensou em outra música. Os primeiros. Os primeiros nesse caso não serão os últimos. Os primeiros pingos. E ela olhou para cima. Porque achava genial olhar para cima para ver os pingos de chuva caindo, lá do alto, em seus olhos. Mas os pingos pararam de pingar. Bolas. Nem assim.

E passou perto de todos os lugares familiares. Como quem se despede. Porque se despediria. Sim.

Isso é tão injusto.

O que é injusto?

As pessoas já gostam muito mais de você do que de mim. E é sempre assim na minha vida. As pessoas sempre gostam mais de outras pessoas do que de mim. Mas pelo menos eu tinha essa coisa, sabe? O "ser genial", o "ser inteligente e criativo", o "bem escrever". E agora. Não mais. Você me roubou isso também. Agora as pessoas gostam mais de você. E gostam mais das suas coisas. E pra mim, bem, nada sobrou. Entende isso que eu estou dizendo?

Entendo. E acho uma xaropada. Sem crise de genialidade. Não vou ser eu a ficar dizendo que você é genial. Não não.

Eu sei. Eu sempre soube. Que isso assim. Ia. Ia sim. Inevitavelmente. Acontecer.

Mas nada está acontecendo. É só sobre uma menina que se despede. Porque deixou de se despedir anteriormente. E se arrependeu. Porque várias vezes ela não sabia que aquela seria a última vez. Sabe? A última vez em que se sentiria aquele determinado cheiro. Ou o último abraço apertado. O último beijo. A última palavra. A última lua cheia. A última moça triste na janela. Um final. É preciso dizer adeus. Ainda que soe exageradamente dramático. Diga adeus ao seu coração.

Ao meu? Mas ele está no lugar. Veja.

Como se fosse possível abrir o peito.

É sério. Veja.

(A menina em crise abre o próprio peito com uma naturalidade sem igual. Como se a carne. Os nervos. Os órgãos. Como se a carne e os nervos e os órgãos fossem feitos de marzipã. E pulsa. No exato lugar. Pulsa uma lâmpada elétrica. Sem referenciais a nenhum autor alemão. É uma lâmpada elétrica de fato. E ela pulsa. Biologicamente inexplicável. Realidade. Uma lâmpada.)

Lâmpadas significam idéia. Isso significa. O seu coração está preso.

Sem interruptor.

No mundo das idéias. É preciso desligar. Antes que queime.

(A menina - a outra - toca a lâmpada. Rapidamente retira seus dedos daquela superfície e leva-os a boca. Queimados. Lâmpadas de idéia esquentam.)

Hum... não sei mais. O seu coração é quente. Deixa estar. Fecha o peito.

E diz adeus. Ou apenas um tchau de longe.

(Como se fosse fácil. Ali está. O peito. Reestruturado. Mas igual a antes.)

A menina caminha. E nas mãos apenas uma queimadura. Pequena. Diminuta. De nada. Olha para trás. Cerca de uns dez passos depois. E acena.

As despedidas não sabem que assim o são.

A menina - a outra - acena de volta. Porque acenos precisam ser retribuídos. Mesmo que da última vez.

Uma lâmpada. Uma menina. E a calma. De saber que nunca se está só. Nem que esta seja a última lua cheia. Ainda existe luz elétrica.