segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

É sempre aquela velha estória. O passado já foi, do futuro não se sabe e o presente é apenas um ponto. Um ponto que passou. Que passou. Que passou. Que passou... ad infinitum.
Então como é que só o presente - que não passa de um ponto insignificante - pode bastar pra alguma coisa? Não. Só o presente é pouco.

Quando não se tem nenhuma grande perspectiva de futuro - e veja bem, isso depende da área a que se refere. por exemplo, se não se vislumbar um grande futuro profissional, o presente passa a ser pouco e então nos agarramos ao passado, sendo que o passado nem mesmo precisa ter sido glorioso. e assim por diante com as outras áreas. - volta-se ao passado.

Nem toda história de amor acaba mal, ok.
Mas toda história de amor acaba. E você pode ter dado tudo de si, ou você pode ter se esforçado de menos ou demais. Indifere, ela acaba. Praquelas pessoas bem sortudas - ou esforçadas, sei lá - acaba só oitenta anos depois com a morte de uma das partes. Praquelas bem azaradas acaba algumas horas depois com uma das partes tendo ido embora e levado consigo todos os pertences da outra, deixando a outra amarrada à cama. Pras pessoas comuns - como eu e você - ela dura o tempo que tem que durar e, se tudo correr bem, sem muita mágoa guardada.

Eu e você fazemos parte do passado. Na verdade tanto eu quanto você fazemos parte do presente. Mas eu e você significando "a gente" fazemos parte do passado. Não tão glorioso, mas tivemos nossos momentos. Acontece que teve um momento - depois de anos - em que eu parei de acreditar no "a gente" no futuro. E só o presente é pouco. E no meu passado não havia só você. Eu me agarrei ao passado. Primeiro a todo passado que não era você. E fiz coisas terríveis. Depois, arrependida, me agarrei ao passado que era você. Mas é lógico que não foi suficiente. Ainda me faltava, ou melhor, nos faltava a perspectiva de futuro. E não dá pra viver a partir de um ponto, nem que esse ponto esteja acompanhado de memórias. O passado são só memórias. E eu não queria continuar me agarrando a elas.

Hoje eu aceito a sua condição de ponto e de memória. E eu gosto disso.

domingo, 21 de dezembro de 2008

Sabe, eu vinha tendo esses delírios de grandeza...

Não, eu não sei.

Delírios de grandeza?

Não, imbecil, eu sei o que são delírios de grandeza. Quando eu disse "não, eu não sei" foi me referindo especificamente aos seus delírios de grandeza.

Ah bom. Mas na verdade você me cortou. Eu ia falar outra coisa, outra coisa sobre a qual a espécie dos meus delírios de grandeza não influi. Os delírios de grandeza eram apenas um prólogo.

Agora me diz porque é que alguém mencionaria delírios de grandeza se eles não influem no restante do discurso.

Não foi isso o que eu disse.

Foi sim. Eu ouvi. Você disse meus delírios de grandeza não influem na outra coisa.

Não foi isso o que eu disse.

Então o que é que você disse, hein hein?

Eu disse, numa construção verbal bem específia, eu disse: "...outra coisa sobre a qual a espécie dos meus delírios de grandeza não influi. Os delírios de grandeza eram apenas um prólogo." Entendeu? Se eu tenho ou tive delírios de grandeza, isso é o que importa. A espécie dos delírios não influi na narrativa.

Eu acho que a especificidade dos seus delírios de grandeza sempre influirão sobre a narrativa. Também acho que você tem convivido demais com um certo escritor curitibano...

Não venha com essa agora. Você sabe muito bem que eu jamais conviveria com qualquer escritor curitibano...

Então como é que você me explica a sua caixa de entrada dos e-mails? Há ali pelo menos dois escritores curitibanos bastante conhecidos.

O que é que você estava fazendo olhando a minha caixa de e-mails?

E não é só isso. Eu também vi as mensagens no seu celular!

O que é que você estava fazendo olhando as mensagens no meu celular?

Só respondo as suas perguntas depois que você responder as minhas!

O fato de eu conviver ou não com escritores curitibanos não influencia em nada esta narrativa. Já o fato de você ter, pelas minhas costas, xeretado nas minhas coisas...

Quem é que usa a palavra xeretado?

Talvez dois escritores curitibanos bastante conhecidos.

Não. Nenhum dos dois utiliza este linguajar do tempo do êpa.

Sim. Porque "do tempo do êpa" é bastante contemporâneo. Além do mais a sua expressão beira o regionalismo. E você sabe que nós odiamos regionalismos.

Nós quem?

Eu e pelo menos dois escritores curitibanos bastante conhecidos.

Você está tentando me ludibriar. Nada disso tem haver com os seus delírios de grandeza. Que delírios são esses, afinal de contas?

Bem, eu sempre tive a impressão de que eu poderia... ei, é você quem está tentando me ludibriar!!!!

Sim, e eu quase consegui.

O que diabos você estava fazendo olhando os meus e-mails?

Eu suspeitei que você ainda falasse com ela... e como eu tenho memória fotográfica, fotografei sua senha ma minha cabeça nos segundos em que você a digitou.

Você tem memória fotográfia?

É. Tenho.

Como é que você nunca me falou sobre isso antes?

Eu achei que você poderia ficar desconfiada...

Eu jamais desconfiaria de você.

Bem, talvez você devesse.

Por quê?

Afora o fato de eu ter memorizado a sua senha nos segundos em que você a digitou?

Foi um deslize. Mas eu sei que é porque você me ama.

Mas também porque eu venho mantendo contato com dois escritores curitibanos bastante conhecidos.

Eu não acredito.

Sim. E também com dois teóricos literários do Rio de Janeiro.

Eu não acredito.

E venho também, já há algum tempo, me comunicando com ela...

Eu não acredito. Os meus delírios de grandeza são fantasias de uma garotinha perto disso. Por que você fez isso com a gente?

Olha, eu andei sentindo que você estava distante. Já faz tempo isso. Foi aí que resolvi entrar no seu e-mail. Memorizei a sua senha nos segundos em que você a digitou. Entrei porque precisava saber se você andava distante porque estava se comunicando com ela.

Eu andava distante porque eu não sabia o que fazer com esses malditos delírios de grandeza. Eu pulei do telhado, sabia?

Você tentou se matar e não me contou?

Eu não tentei me matar. Não foi isso o que eu disse.

Você pulou do telhado e não tentou se matar?

Não.

Simples assim.

Não, simples seria se eu tivesse tentado me matar. Caso clínico de depressão. O problema é outro...

Meu Deus!!!

Sim. Exatamente.

Mas você deveria saber que pulando do telhado...

Delírios de grandeza. Por sorte eu não morri. Caí no toldo. E era isso que eu queria te contar hoje. Qua aquelas duas semanas que eu andei distante, que só falava com você por telefone, quando muito... bem, eu não estava querendo terminar tudo. Eu só estava me recuperando de uma série de contusões em decorrência da queda. Mas aí você se antecipou, não quis me ouvir...

Eu não devia ter olhado os seus e-mails.

Não. Não devia. Você poderia ter tido um pouco mais de paciência comigo.

Eu não fui capaz... eu não fui capaz de perceber...

E agora?

Agora eu já me comprometi com ela. Eu achei que você estava pronta pra fechar negócio com aqueles dois escritores... e os críticos literários disseram...

Tudo bem. Gente não foi feita pra voar. Eu deveria ter previsto algo assim...

Puxa, me desculpe. Me desculpe mesmo. Quem sabe em 2010?

Se eu não conseguir voar...

(a menina junta uma porção de papéis desordenados e sai. a outra fica olhando perplexa enquanto murmura para si "se eu não voar".)

Ei, espera.

(a menina, fora de quadro, volta.)

Você esqueceu sua caneta.

Obrigada.

(pega a caneta e sai. agora de vez.)

sábado, 15 de novembro de 2008

Você não está entendendo. Mesmo que você não queira. Você pertence. Independente do conjunto de números. Inteiros. Reais. Racionais. Naturais. Você pertence. E todo mundo só quer pertencer. Eu, por exemplo, sou uma fração. Logo, pertenço ao grupo G.

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Ontem eu me olhei no espelho e me vi. Ainda bem. Eu me vi e pensei "ainda bem. ainda não sumi."
Ontem eu me olhei no espelho, me vi, pensei "ainda bem" e me achei bastante bonita. Como não me achava já há algum tempo. Eu me vi e cheguei à conclusão de que já fazia muito tempo que eu não me via. Já faz muito tempo que eu não me vejo. Porque se eu me visse já teria chegado à conclusão bastante óbvia de que isso não é necessário. Seja lá o que isso for.

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Querido diário:

Hoje o ensaio se mostrou bastante produtivo. A vida não. E eu penso que talvez a vida não devesse ser produtiva mesmo. Afinal, é toda uma coisa subjetiva. E a produtividade me parece estar mais ligada à objetividade. Portanto, a vida não ser produtiva é que é o objetivo subjetivo. Se é que isso é possível.

Ah, inventei uma peça nova na minha cabeça, chama "Vidas Cítricas" e é uma livre adaptação do "Vidas Secas", do Graciliano Ramos. E ao invés de uma cachorrinha Baleia teria um gato chamado Tubarão. Não sei se o Graciliano iria gostar. A peça não se passaria no sertão, mas num viaduto qualquer. Uma analogia bastante óbvia. E no lugar do papagaio que morre no cinema, morreria uma pomba da paz. a luz seria bastante estourada, só de PAR foco 6. Uma espécie de citação ao Nelson Pereira dos Santos. Não sei se o Nelson iria gostar do meu "Vidas Cítricas", livre adaptação de "Vidas Secas". Mas, de qualquer modo, fica anotada a idéia. Faremos uma peça possível e futura.

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"O desprezo nunca será delicado, por mais que eu sorria."

Quando a gente tem um dia bom ainda assim parece que falta alguma coisa.
Quando a gente tem um dia ruim parece que tem um abismo de coisas faltando.
Metaforicamente eu meto um tiro no meu coração. Todos os dias.

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Meu amor, você dorme enquanto o mundo está acabando. Não lá fora. Aqui dentro. Você dorme, e o mundo acabando aqui dentro. Não me deixe esquecer. Preciso ler uma coisa pra você. Não sei se sou só eu. Mas tenho a impressão de que nada mais será como antes. Porque o mundo está acabando.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

É engraçado quando você lê umas coisas por aí e totalmente se identifica com aquilo. Sempre que eu leio essas coisas que eu chamo de verdades ficcionais eu me sinto reconfortada. Eu também adoro uma metáfora. Verdades ficcionais que produzem sentidos metafóricos. Acho que taí uma coisa que você pode dizer sobre mim. Eu gosto e me identifico com esse textos por aí cheios de verdades ficcionais produzindo sentidos metafóricos.

Depois que eu terminar de fumar eu verificarei as coisas novamente. Mas tenho a leve impressão de que elas permanecerão em seus lugares. A menina que eventualmente achava que era possível voar não tem mais asinhas nos pés. O que eu acho bastante bom, já que asinhas nos pés são coisas pra deus grego. E lugar de deus grego é no olimpo. E o lugar da menina que um dia teve, mas não tem mais por razões ainda desconhecidas, asinhas nos pés não é no olimpo.

Tá vendo? Acabei de inventar essa espécie de metáfora.

Péssima metáfora por sinal.

É. É péssima. Mas é minha.

A tua tentativa de aposto também beira ao ridículo.

Aonde é que existiu uma tentativa de aposto?

Bom, se você não sabe isso. Então você não é ridícula. É burra mesmo.

É. Sou. E daí?

E daí que eu não posso me relacionar com alguém que não consegue nem identificar uma tentativa de aposto.

Então vai embora. Porque qualquer tipo de virtuosismo realmente não me interessa. Só me interessa a didática do afeto. Então, nem tenta me explicar o que é um aposto, porque eu não vou ouvir. Eu já cansei desse tipo de reprovação no teu olhar. E quer saber? Se você se julga um ser tão superior assim, me diz por que diabos as pessoas me amam, mas não amam você?

Talvez porq...

E não vem com esse papo de gênio incompreendido não. Comigo não cola. Sacou?

Posso falar?

Fala.

Eu me escondo atrás da crítica exacerbada porque é a única coisa que eu sei fazer. Agora você não. Você tem essas malditas asinhas no pés. Você pode sair voando a qualquer minuto.

Acho bastante risível essa tua metáfora aí.

Eu sei. Talvez você tenha perdido as asinhas nesse processo longo que a gente tem tido e ousa chamar de relacionamento.

A gente não tem um relacionamento. A gente tem uma sucessão de atos falhos conjuntos. E asinhas nos pés, além de brega, é coisa de deus grego.

E lugar de deus grego é no olimpo e não aqui. Não comigo.

Exatamente.

Lugar de deus, grego ou não, é no imaginário.

Isso é um aposto?

Com o perdão do trocadilho devo dizer que não, isso não é um aposto. Isso é uma aposta. De Descartes. Aposta de Descartes.

Ah, vai empilhar coquinho na descida. Cansei de ser o referencial da tua retórica.

Tecnicamente a minha ret...

Não. Chega! Sem tecnicamentes. Não quero mais. Pega o teu aposto e enfia bem no meio do...

Olha a boca menina!

(se a avó entrasse na sala o diálogo terminaria assim.)
(como não entra avó nenhuma na sala o diálogo termina de outra maneira.)
(mais ou menos assim:)

Não. Chega! Sem tecnicamentes. Não quero mais. Pega o teu aposto e enfia bem no meio do teu cu!

Ok. Mas antes me dá um beijo. Pra viagem.

Tudo bem. Mas só porque talvez você morra atropelada.

(final mais ou menos feliz. feliz porque acaba em beijo. mais ou menos porque, de fato, a protagonista número 2 morre atropelada. e não volta.)

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Sobre corações jacu. Sobre corações iconográficos. Sobre tijolos e pedras e concreto que erguem cidades e estados e nações.

Sobre uma cerveja azul aberta em um dia frio. Sobre um cigarro de filtro vermelho bastante cênico.

Sobre datas não-comemorativas. Sobre dias difíceis.

A minha história, eu queria que fosse escrita com "es". Como em estória. Mas o "es" caiu em desuso. Bem como os corações. Porque várias coisas caem em desuso de um inverno para outro. De uma primavera a outra. Sobre "Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera". Sobre mais um filme incabado. Ou nem começado.

A minha estória começaria no verão. Embora eu ache que todo amor seja de capricórnio, a minha estória começaria no final de outubro. Começo de verão. Mas acho que amor, amor mesmo, só em dezembro. A minha estória começaria no verão com a frase "me ouça sem que eu diga coisa alguma". A minha estória começaria no verão com a frase "me ouça sem que eu diga coisa alguma" e acabaria em um inverno nuclear.
Invernos nucleares são coisas de peça do Heiner Müller. Então acabaria num inverno nuclear com a protagonista presa num galpão com correntes fortes. A protagonista presa num galpão porque foi transformada em um zumbi e a menina que ela amava não teve coragem de decepar-lhe a cabeça. Muito menos de atear fogo em seu pequeno corpo zumbi, agora com uns pedaços faltando.

Mas acontece que na minha estória a menina/protagonista/zumbi ainda teria um ritmo fraco no peito. Um batimentozinho cardíaco leve. E terminações nervosas funcionando. E um pensamento certo. O pensamento de que nem hecatombes nucleares e invasões zumbi podem acabar com certos amores. Porque no inverno nuclear em que a protagonista se transformou num zumbi após ter um bom pedaço do braço arrancado ela ainda consegue sentir. Ainda consegue ouvir sem que coisa alguma seja dita.

Será que um coração zumbi ainda é um coração de jacu? Ou agora somente um coração iconográfico?

De tijolos é feito um galpão. Ou de madeira. É. De madeira é mais usual. Mas também a madeira - junto com o "es" - caiu em desuso depois do inverno. Então tijolos servem de casa para uma alma zumbi que ainda sente, que ainda ouve, que ainda é. Embora não seja.

Como se alimenta um zumbi sem cometer assassinato? Ou ser cúmplice de um assassinato?
A resposta é simples: não se alimenta.

Então a menina que não tinha virado um zumbi, mas também havia se apaixonado em dezembro, teve um idéia. Uma idéia bastante antropofágica. Sem nenhum caráter cultural. Arrancaria de si própria pedaços com os quais alimentaria a outra menina - aquela, a protagonista, a que tinha virado zumbi em um inverno nuclear. Alimentaria com pequenas porções de si própria.

Entretanto o corpo é finito. E depois, quando o verão dava os primeiros indícios de sua presença, já não havia mais tanto alimento no corpo da menina. Por mais que ela dosasse com muita cautela as refeições. E nenhuma cura parecia possível. A menina zumbi percebeu que situação era insustentável. A menina não-zumbi não desistiria nunca. Nem que precisasse se doar por inteiro. Os ouvidos agora ouviam muito mais do que as palavras. Ouviam todas as interjeições de dor que a menina não deixava escapar. Ouviam o barulho dos ossos, uns contra os outros, aonde não havia mais carne. Ouviam o outro batimento cardíaco, aquele que era forte, ficando fraco. Do olho esquerdo da menina zumbi escorreu um lágrima. Pois sabia que cada um daqueles sons significava fim. Parou de comer. Finalmente compreendeu que o fim deveria partir dela. Deveria ter partido dela. Deveria ter partido dela numa outra, agora distante, primavera. O fim , então, partiu. As correntes não poderiam ser partidas, tanto quanto a greve de fome a que a menina zumbi havia imposto. Sem poder fugir definharia.

Curiosamente o fraco batimento cardíaco, meio morto meio vivo, começou a ficar mais forte. E todas as terminações nervosas faziam muito mais conexões. Ainda era pouco. Não se muda um zumbi da noite para o dia. Não se muda um zumbi nem mesmo de um ano para outro. Mas o que era apenas adivinhação parecia se tornar verdade. Se agüentassem por mais um tempo dessa maneira talvez a condição fosse revertida. A possibilidade da redenção se apresentava. Contudo de maneira bastante árdua. Parecia ser impossível a sobrevivência de ambas. Ou a greve de fome venceria e apenas uma delas continuaria viva. Ou a alimentação diária com pedaços do próprio corpo venceria e apenas uma delas continuaria viva. Mas a possibilidade se apresentava. Ínfima. Mas ali. Presente.

(enquanto eu escrevo o absurdo de uma estória de amor-zumbi você está pegando um ônibus pra vir pra cá. de maneira que o único fim que eu posso dar para esta estória é aquele que a gente já conhece. eu trago o meu cigarro uma última vez antes de escrever aquilo que eu não gostaria. bebo um derradeiro gole da cerveja antes de acabar essa aventura. e digo, com os meus olhos e estas malordenadas palavras, aquilo que você já sabe. eu digo sim. eu quero sims.)

A menina que não havia se tornado um zumbi arranca do peito o coração. E o oferece como banquete póstumo.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

She´s not coming back...

I know.

But she thought, just a while back, she thought...

She thought life could be easy.

Yeah. That sounds about right.

****

happy birthday to me...
happy birthday to me...
e o troféu abacaxi!


tinha pensado nisso assim.
no ônibus.
indo direto pra PUC.
troféu abacaxi.
ah. porque eu ainda renego o sexto sentido?

****

Veja bem...

Eu tenho essa teoria de que esses dias de anos mais a gente sempre passa meio deprimido. Entende?

(entende? é uma coisa de um velho amigo...)

Ando nostálgica.
Nostálgica sei lá do que...

Tudo bem. Eu também odeio aniversários...

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Alguém já saltou de um ônibus em movimento por você? Por mim já...

****

Não nos ateremos à narrativa desta estória/história. Não nos ateremos ao fato de que, sim, alguém pulou de um ôibus. Sim, o ônibus se movia. Não. Aqui gostaríamos de narrar a série de acontecimentos que nos levam praquele exato momento em que uma menina salta de um ônibus em movimento.

Imaginem a forma da dor.
Imaginem que isso invade a sua alma. E que não existe remédio no mundo pra isso que vocês sentem. Todas as cervejas do mundo poderiam ser bebidas. Todos os cigarros do mundo poderiam ser fumados. Todas as drogas do mundo poderiam ser usadas. E a forma ali. Permeando tudo.

Isso, apenas, poderia fazer com que alguém saltasse de um ônibus. Mas não. Não foi por isso.

Vejam, a dor é superestimada.

Quando a menina finalmente resolveu que "ok, tudo bem sofrer, mas isso está ficando ridículo", foi que as possibilidades e o evento do ônibus puderam acontecer.

[Se hoje eu tenho unhas pintadas de vermelho e escrevo a palavra saudade mais do que o habitual. Se hoje eu tento diminuir o número de cigarros e rio sozinha durante o dia. Se hoje eu agradeço à tecnologia. Bem, tudo isso é culpa sua.]

A menina disse pra si mesma: "garota, você tem que parar de querer ser rock´n´roll. sua alma fica melhor bossa nova". E então ela encontrou toda a bossa de que precisava. E com bossa nova, acreditem, veio a coragem. Por coragem entenda-se ter dito para outra menina, numa madrugada fria e esquisita, que ela - a menina rock´n´roll - ia beijá-la. E a outra menina - que era meio bossa nova meio samba - deixou.

E esse é o primeiro evento que desembocará no ônibus em movimento. E numa menina que salta desse mesmo ônibus em movimento.

[Eu não consigo fazer uma canção. Mas se eu tento é porque você gera música em mim. Por todo o meu corpo. Aonde existia apenas a disformidade da dor.]

eu peço licença. mas este texto eu preciso terminar - ou não - assim:

TO BE CONTINUED

sábado, 30 de agosto de 2008

Às vezes eu fico me perguntando se eu sei o que é melhor pra mim.
Às vezes eu fico me perguntando se eu sei o que é melhor pra você.
Às vezes eu fico me perguntando se veneno pra barata me mataria.

Enquanto isso eu espero mais uma conjunção astral.
O momento em que a lua vai entrar na sétima casa.
E quando você vai entrar por aquela porta e dizer que eu sou a única e arrancar a minha roupa e me fazer saber só o que você já sabe.

Não sei se quando é a palavra ideal.
Quando é usado no futuro. Subjuntivo?
Quando eu chegar. Quando você entrar. Quando nós admitirmos.
Talvez o caso seja mais passado.
Se você entrar...
Ou se presentifique.
Que eu chegue.
Ou mantenhamos no presente do indicativo.
Nós admitimos.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Durante boa parte do tempo eu sou uma pessoa feliz. Se fosse necessário quantificar eu diria que sou uma pessoa feliz durante 97% do tempo. Mas de vez em quando, provavelmente uma vez a cada dois meses, uma tristeza enorme me assola. É como se toda a tristeza do mundo me invadisse. Invadisse a minha casa, a sala da minha casa, o meu quarto. Invadisse as prateleiras, a televisão, os dvd´s, os cd´s, o único vinil do Noel Rosa. Tudo parece lotado.

Como se fosse possível essa tristeza me invadir e transbordar pra fora de mim. Ocupar o ar a minha volta. Ocupar todas as moléculas de oxigênio. E ela vai aonde eu vou. Não sabendo de onde ela veio também não sei quem a convidou. Ela simplesmente aparece sem aviso prévio. Sem justificativas.

Depois de algum tempo - se necessário quantificar eu diria umas três horas - da mesma maneira que apareceu ela se esvai. Rapidamente. Sem mais nem porquê. E tudo volta ao normal. Até o próximo bimenstre.


****

Eu gosto de pensar que eu penso em você o tempo todo.
Isso não é verdade.

Como quando o gato derrubou o vaso de flor de cima do armário. Nesse momento tudo desaparece e eu só consigo pensar em mim. Tudo desaparece e eu estou em um fundo branco infinito. Eu, a terra e a flor. E só existem as conseqüências que isso pode provocar. O vaso não é meu. O gato é.

Eu deito e ela não me abraça. Por mais que esteja com frio. Ela não me perdoa por ter jogado fora algo que não me pertencia. Então eu a abraço. Porque eu a amo. O meu braço é um intruso. Ou nem isso. Não faz a menor diferença. Não faz a menor diferença eu estar ali ou não. Eu o retiro. Não faz a menor diferença.

Eu penso nas outras mulheres. Atrizes. Quem me interpretaria no cinema. No teatro. Na TV. Ou no palquinho da cantina da Faculdade de Artes do Paraná. Todas são a mesma pessoa.

****

A batalha dos búfalos.
I´ll be gald I´ll be blue.
Battle of the bulls.
A batalha dos azuis.

****

Das janelas em que os olhos se encontram. Eu e você.
Outro dia de sol.
Outro dia de chuva.
Outro jogo de futebol.
Outra viagem à praia.
Não quero ir à escola.
Eu e você.
Você na sua posição irreparável.
Outro dia de sol.
Eu me pergunto porquê eu não reclamei quando você perdeu os meus olhos.
Eu e você.
Eu na minha posição irrecuperável.
Outro dia de chuva.
Eu me pergunto porquê eu fiz de novo e você não reclamou.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

porque é fácil.
e você vem. não importa o horário.
você vai. você vem.

porque você me olha.
porque você me beija.
porque a complexidade do mundo parece irrelevante.
porque eu tento te alcançar com um simples impulso e você parece cada vez mais longe.

porque você pausa.
pausa longa.
pausa média.
pausa curta.

porque você me olha com esses olhos.
não de ressaca. mas.
olhos de luminosidade única.
porque a complexidade do mundo parece ser tudo que importa.
porque todos os meus saltos parecem ser desproporcionais.


e porque você sorri.
no fim de cada pausa você sorri.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Só pra dizer do que não se passa.
Quando as coisa acabam é preciso saber saciar.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

O mundo não se esquece de você.

Você abriu aquela caixa e agora veja você.
Você abriu. Abriu-se.
Abriu e não era abril e abriu mesmo assim. E abril.
Pra equinócios de outono.

Você abriu a cerveja e acendeu o cigarro e então se sentou.
Você se sentou no velho lugar de sempre e deixou os pensamentos voando como em Os Pássaros de Hitchcock. E você assistiu Hitchcock Blonde e quis aquela frase perfeita pra você. Você quis. Você quis muito "matar alguém por amor se fosse possível fugir da lei".

O mundo também não se lembra de você. Mas ainda assim não lhe esquece.
Ouça o que os outros têm a dizer.
Ouça o que eu tenho a dizer.

O mundo pode parecer bom aqui nesse intervalo. Pode parecer realmente bom aqui nesse intervalo. Nesse intervalo de tempo. Nesse pequeno intervalo de horas comigo.
Numa espécie de nave espacial. Pra que tudo se desfaça. Vire líquido. Fluído. Fluido.
O mundo pode ser bom se você deixar ser. Se você disser "ok, pra sempre então..."

Vem cá.

Ok. Pra sempre então.

Pra sempre parece tempo demais.

Minha única noção de pra sempre é essa. Aqui.

Minha noção de casa é essa. Aqui.

Fiquei imaginando a possibilidade da nossa casa.

Não fique.

Não. Fique.

O mundo parece ser apenas isso aqui. Essa cama. Esse colchão. Nesse caso, o mundo realmente não se esquece de você. Nesse caso o mundo só consegue lembrar de você. É somente questão de ouvir.

****

Todas as vezes. É incrível como na grande maioria das vezes que eu sento aqui existe um bem alcóolico na minha frente. E cigarros.

****

Tinha um diálogo novo em que um personagem dizia pro outro que só conseguia imaginar o pra sempre quando pensava nele - no outro. Ao que o outro respondia que o um era exatamente a sua noção de casa. Mas a parte mais difícil de escrever roteiros é justamente essa. Os diálogos. Vamos manter as coisas na escaleta. Não. Porque essa é justamente a parte mais fácil de escrever roteiros. Os diálogos.

O eu te amo fica em outro sentido.

O eu te amo deveria ser mais fácil.

O eu te amo é superestimado.

O eu te amo é a mesma coisa que sanduíche de queijo.

O eu te amo é honesto.

Não. Não é.

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E havia naquele texto uma porção de idéias sobre o que é o I Love You. I Coraçãozinho You. Eu coraçãozinho Você. Eu te amo. Eu carrego aqui ó. Percebe que junto com o meu vai o teu? Perecebe que o e.e. cummings escreveu antes que eu exatamente o que eu queria te dizer? Só que eu precisava que fosse uma coisa dessas, assim, bem originais. E eu tenho um coração. Que não pede nada. Nem grita. Nem bate direito. Eu sou um zumbi. Eu sou Paul, o Zumbi. E tenho esse batimento cardíaco fraco. E estou ficando completmante irritada. Tum tum. Tum tum. Tum tum me irrita. Pára! Tira esse treco daqui.

E havia naquele texto uma porção de bobagens. Mas eram as minhas bobagens. E elas eram todas sobre você. E elas eram todas para você.

E havia naquele texto um tipo de honestidade impossível nos dias de hoje. Quando os dias se tornaram insustentáveis. E as noites insuportáveis. Nesse tempo, o tempo de agora, e que agora de desfaz, não há espaço pra honestidade. Porque foram muitas cervejas. Muitos cigarros. Muitas outras bocas. O coração continua aqui. Mas eu não quero. Está tudo bem. O coração continua batendo. Ok, pra sempre então.

****

O mundo se lembra muito bem do que é passado. O mundo sabe muito bem do presente.

Acredite em mim, meu bem, o mundo parece bom.

(Paul, o Zumbi se sentou na cadeira e chorou.)

(a menina bebeu um gole de cerveja e não chorou.)

(pausa)

(a menina olhou para os dois lados antes de atravessar a rua.)

(pausa longa)

(a menina olhou para o lado direito. e sorriu.)

(Paul, o Zumbi se recompôs das lágrimas de zumbi. e olhou para sua esquerda.)

(pausa)

(quatro olhos se encontraram. dois deles meio vivos. dois deles mortos-vivos.)

(pausa média)

(Paul, o Zumbi sorriu.)

Veja você, sobramos nós. Isso é o seu coração?

domingo, 20 de julho de 2008

Sobre quando são 13:43.

E tudo o que você quer, contrariando a qualquer expectativa, é uma torta de brigadeiro.

But you´ll have a boy tonight. And you´ll have a girl tonight.

Esta noite. Um tempo talvez longe demais.

sábado, 19 de julho de 2008

Sobre quando são 3:49 da manhã.

E tudo o que você precisa é de um cigarro. Porque você já deveria estar dormindo e o episódio de hoje do Saturday Night Live está engraçado. Mas você precisa de um cigarro. E são 3:49 da manhã.

Então você vai até a sala. Vai até a sala e procura a carteira que está perdida em tanta desordem. Lucky Strike. E você anda fumando cigarro de filtro vermelho porque acha mais cênico. E acende. E, de repente, já não era bem isso que você queria. Sabe? Sabe a vida assim? E, de repente, já não era bem isso que você queria. E você pensa em misturar uísque com coca-cola naquele copo verde de plástico. Mas desiste. Porque provavelmente, de repente, não vai ser bem isso o que você queria.

Então você se senta em frente ao computador. E você quer genuinamente escrever um texto. Só que as idéias todas já se esvaíram. Esgotaram. Como a água da caixa d´água antes de ontem. Com a singela diferença de que a água volta uma hora ou outra. Você sabe. Com as idéias a estória - ou história - já é bem outra. Não há muito o que saber. Aí você discorre, de maneira bastante mundana, sobre as coisas não serem bem o que você quer. Se assim for, nem que por apenas alguns segundos, eu e você estamos na mesma página. No mesmo livro. No mesmo parágrafo. Eu até poderia dizer que estamos na mesma linha dessa estória que nem começou.

E você sabe, se assim for, que toda estória acaba com uma única palavra.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Isso não é uma declaração de amor.
Isso não é uma declaração de imposto de renda.
E eu nem sei até que ponto a gente pode chamar isso de declaração. Seja do tipo que for.

Mas a verdade. A verdade é que eu te amo.

E se não fosse você o barco já teria naufragado.
E se não fosse você as noites já teriam ficado insuportáveis.
E se não fosse você eu já teria me atirado pela janela.
E se não fosse você eu já teria atirado algumas pessoas e alguns objetos pela janela.
E se não fosse você não haveria poesia.
E se não fosse você quem mais no mundo quereria a leveza de uma sandalinha de couro?
E se não fosse você o que é que eu chamaria de eternidade?

Não. Essa não é uma declaração sobre futuro.

E você sabe bem.
E eu sei bem.

É sobre expressionismo alemão, meu chapa.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Quarta-feira de cinzas. Chega de samba.
Por favor, jazz.
My Blueberry Nights.

Jazz do coração.

De imagens desaceleradas.

sábado, 7 de junho de 2008

A menina agora se fecha.

Entretanto qualquer olhar um dezoito avos mais apurado perceberia que a menina se abre. Abre-se como aquelas florzinhas da primavera. Porque eu acho que a menina é uma florzinha.

****

Só agora eu percebi que todas as vezes que eu to escrevendo aqui nesse computador tem um copo de pinga à minha frente.

****

A menina andava preocupada com umas coisas da vida. Sabe assim coisas da vida? Preocupada. Ela andava. Mas como num passe de mágica surgem coisas novas. Não para se andar. Não para se preocupar. Coisa novas. Simplesmente para existir. E as coisa existem. E a menina existe. Sem pensar em corações pesados. Porque corações devem ser sempre leves. Leve. E a menina não pensa. Porque existem atenuantes. A menina aprendeu a lição mais incrível que a vida poderia lhe ensinar.

O presente. Você percebe. O presente é um ponto. Que passou. Que passou. Que passou. Que passou. Que passou.

O presente não existe.

Porque não passa de.

Um ponto.

De interrogação.

De excalmação. Como em "oh!"

(a menina tira uma pequena embalagem do bolso. um pequeno papel de chocolate. Laka.)

O passado está atrás. O futuro só à frente. Nada disso importa.

O presente. Um ponto.

De interrogação.

(a menina sabe que o chocolate Laka deveria estar intacto. mas não está. só resta o papel na mão.)

Nada disso importa.

Não mesmo.

O que então?

O ponto.

O ponto.

(a menina sorri. porque as coisa não precisam estar intactas.)

****

Ah, mas os textinhos de raiva e crise eram tão melhores...

Desculpa. Raiva e crise ambos passaram.

O ponto não é esse.

Não mais. Não mesmo.

****

Esse é só o começo do fim da nossa vida.

Alguém ainda dirá isso pra você.

E não precisa ser hoje.

****

Eu não encontro razões pra você se enconder tanto. Mas eu não me escondo mais. Eu me tranquei nesse quarto escuro por muito tempo. Eu quis ser Bukovski por muito tempo. E agora eu só quero um beijo. Um beijo que te deixe assim. Nervosa. Tensa. E que me faça beijar mal. Um beijo. Que desagüe tudo isso noutro lugar. Porque te beijar vai ser fácil. Porque te beijar vai ser diferente. Eu sei. Ele é um pouco rebelde. Eu sei. Vai passar. Como o carnaval sempre passa. Sempre demora a chegar. Sempre. E nunca. Assim. Ao som de bossa nova. Ou talvez um samba. Não. Uma canção do Chico. Do Los Hermanos. Do Portishead.

Eu não encontro razões pra você se mostrar tanto. Mas eu não me mostro mais. Eu me larguei no mundo e fiz de tudo com ele há muito tempo. Tudo era um estandarte. Entende. Eu quis ser leve. E não mais. Porque agora eu quero um beijo. Mas não. Não chega. Como os dias 29 de fevereiro. Demoram mais que o resto do ano. De qualquer modo. Sim. Só precisamos de mais uma música. Deixa eu brincar de ser feliz. Não. Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor. Um beijo. Que desagüe tudo isso noutro lugar. E me esconda do mundo. E pare. Pára. Não é por aí. Mas também não é por aqui.

E depois.

Depois vem outro refrão.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Tinha umas resoluções novas pra minha vida.

Assim como aquele amigo que diz que vai parar de fazer todas as coisas prejudiciais à saúde. Também eu digo. Vou parar de fazer todas as coisas prejudiciais à saúde. Pelo menos as coisas prejudiciais à saúde mental do indivíduo. No caso, eu.

A primeira era assim. Parar de me relacionar com todas as pessoas que tenham a terminação A-R-A no nome. A primeira resolução fracassou. Não durou 24 horas. Então abandonei todas as outras.

****

Sabe aquelas canções que tem uma linha de baixo bem marcada? Que parece que não tem mais nenhum instrumento acompanhando a voz da cantora (sim, porque é sempre uma cantora)? Então. Eu estou ouvindo uma canção assim agora. E me lembra você.

Você precisa parar de lembrar de mim.

Como se eu não soubesse...

(silêncio pouco confortável)

Você sabe o quanto é difícil esquecer?

(longo silêncio pouco confortável)

Eu escrevi um diálogo novo para o filme de zumbis.

Ah é?

É. É sobre como nos filmes de zumbi os protagonistas nunca dizem "ei, vamos pegar muitas armas em uma loja de armas, considerando que a humanidade está praticamente dizimada."

É verdade. Nunca ninguém diz isso nos filmes de zumbi.

No meu filme de zumbis é assim. A personagem diz exatamente isso que eu disse pra você. Para logo em seguida se dar conta de que não faz idéia de onde tem uma loja de armas em Curitiba.

Tem uma ali perto do Müller. Uma que vende materiais esportivos e armas.

Você destruiu o meu diálogo genial.

(longuíssimo silêncio pouco confortável)

É porque esquecer é uma coisa forçada. Lembrar. Lembrar é difícil. Eu esqueço tudo. Nunca lembro o lugar onde as coisas devem ficar. Mas você. Você eu só consigo lembrar.

Você sabe que isso, assim como tudo, é só uma questão de hábito.

****

Sobre a indestrutibilidade. De xícaras. De pipas. De zumbis.

Não não. Se você queimar um zumbi...

O ponto não é esse. Xícaras e pipas são muito mais fáceis de destruir do que zumbis. Sim. Eu sei. Acontece que eu queria pôr aqui uma metáfora.

Não é muito boa essa sua metáfora. Desculpe.

****

Quando eu era criança eu achava que tudo ia acabar bem. Que toda história merece um final feliz.

É que você viu muita novela...

Odeio quando você usa reticências.

Mas eu sempre sou reticente.

Pois é. Irrita.

Posso propôr que na próxima encarnação a gente se apaixone e não destrua tudo?

Não. Mas você pode propôr que você seja um carrapato.

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As pessoas podem ter resoluções de ano novo sem ser ano novo?

Talvez amar realmente seja não ter que pedir perdão.

Perdão?

É. Perdão.

Não. Eu não entendi.

Perdão.

Tudo bem.

****

Para tudo na vida existe um intervalo.
Aberto ou fechado.

Entra o piano.
Em seguida uma cantora de voz doce.
E assim permanece.
Até o fim do ato.
Até o fim da canção.

E quando eu te amei, foi com tudo que eu podia. Pena que não foi o bastante. Eu peço perdão.

Você está sangrando.

Na medida em que as coisas forem ficando masi difíceis eu vou desaparecendo.

(o texto todo deve ser dito por uma única atriz. um atriz que realmente sangra.)

domingo, 11 de maio de 2008

É engraçado como os verbos ter e haver se tranformaram apenas em verbos auxiliares do partícipio. Nada mais há e nada mais tem. A não ser auxílio. E essa verdade funciona bem melhor em inglês.

(a menina olha o celular de quatro em quatro minutos. era necessário que alguém lhe ligasse.)

Em português os verbos ter e haver ainda produzem um sentido bastante palpável sozinhos. Com na frase "eu tenho medo da sua brutalidade com as palavras."

(a menina só precisa de uma presença reconfortante. sem diálogos. até porque ela prefere os diálogos que tem com o vazio.)

De repente descobre-se que não há diálogos. Tão pouco personagens. Apenas uma sucessão de rubricas que significam muito pouco para qualquer um que não esteja familiarizado com a história a ser narrada.

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Os zumbis da minha infância não corriam. Os zumbis da minha infância se arrastavam atrás de suas vítimas. Curiosamente os zumbis sempre alcançavam as pessoas que corriam como loucas. Os zumbis da minha infância sim eram geniais. Arrastando seu corpo zumbi.

Desde 1968 os zumbis funcionam como uma metáfora social. Quer dizer, eles funcionam como metáfora social nos filmes que prestam pra alguma coisa...

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Seria mais fácil - tanto para mim quanto para você que está lendo isso - se eu conseguisse pelo menos uma vez escrever uma coisa com começo meio e fim. E que fizesse sentido sem conhecimento prévio de uma porção de outras coisas da minha vida. E por fácil não necessariamente entenda-se melhor. Só fácil mesmo.

Um estória com 'es' que começasse. digamos, em "era uma vez". Sem reinos distantes e cavaleiros audazes e donzelas em perigo e dragões cuspidores de fogo e lenhadores de coração bom e, por Deus, sem anões com chapéuzinhos pontudos. Só um "era uma vez", sabe?

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Era uma vez um zumbi. Um zumbi que se perguntava sobre a definição de sua personalidade jurídica. O zumbi, que chamaremos de Paul, o Zumbi daqui pra frente, não sabia se seria considerado morto ou vivo. Se poderia votar ou casar ou qualquer coisa do gênero. Porque Paul, o Zumbi era um ser único. Não existia ninguém no mundo igual a ele. O que o levou a pensar se algum dia alguém quereria se casar com ele.

Paul, o Zumbi aos poucos foi ficando obcecado com a idéia de amor. Porque parecia injusto que todos experenciassem uma coisa que parecia tão boa e tão ruim ao mesmo tempo e ele não. mas como Paul, o Zumbi era um zumbi, para ele era impossível sentir qualquer coisa. Física ou psicológica. Afinal zumbis tem todas as terminações nervosas mortas. E a produção de substâncias - como dopamina - não existe mais. Logo, se tornara imposível para o zumbi sentir.

Contudo, numa dessas viradas na estória, Paul, o Zumbi começou a sentir certas urgências. E foi ao médico. Porque alguém lhe havia dito: "Paul, o Zumbi, isso não é normal. Vai ver um médico."

No consultório o médico não sabia muito bem o que fazer. Porque é impossível analisar alguém, medicamente falando, que não possui sinais vitais. Mas aí, de repente o médico ouviu, muito fraca e com um volume muito baixo, uma pequena pulsação. Finalmente algo a ser analisado. Paul tinha batimentos cardíacos.

****

Aonde tudo é ruim não existe nada de bom.

(a menina apaga o cigarro. respira. sente algum alívio por não ser um zumbi. e sabe que precisa continuar a história. mas não agora. só no próximo capítulo. precisa terminar. e vai. então ela pede paciência. pede sem saber para quem. mas pede.)

Por favor, eu peço paciência.

(sim, mais ou menos assim. ela pede. e sente muito fraco o batimento cardíaco.)

domingo, 27 de abril de 2008

Eu queria muito contar uma estória bonita. Dessas, assim, com final feliz e tudo o mais.
Mas acontece que eu não posso.
Acontece que na minha frente restaram apenas uma meia-dúzia de batatas Pringles e um guaraná kuat, já meio sem gás, que eu misturei com vodka DobleW.
Bom, a vodka é produzida lá na minha cidade. O Pringles não.

Uma vez eu amei alguém. E teve outra vez também. Mas é engraçado. As pessoas que eu amei nunca souberam ser amadas por mim. E você veja que com isso eu não estou dizendo se o problema é delas ou meu. Porque eu ainda não sei.

Honestamente. Eu vim aqui pra beber.

(a menina leva o copo até a boca. e tem um flashback de suas mãos levando um copo de cerveja até outra boca.)

****

Essa é assim.

Você pega dois ovos. E separa as gemas das claras. As claras você bate bem. Bate forte. Até virarem claras em neve. Às gemas você acrescenta açúcar. E bate. Bate bem. Bate forte. Até virar um creme amarelo claro.

****

O curioso da vida é que todo mundo vai morrer um dia. Algumas pessoas vão ter xícaras quebrads. Xícaras da década de 70. E não vão ter ninguém pra culpar que não si próprias.

Quem mandou tirar a xícara de casa?

É só porque eu confiava nela...

Na xícara?

Não. Na menina para quem eu levei a xícara um dia.

Você deveria saber que naquela situação não se confiaria nem uma xícara de plástico.

Mas eu confiei. Por isso a culpa é unicamente minha.

Naquela casa nem o plástico resiste. Que dirá o vidro.

É. Eu esqueci. Eu esqueci das fragilidades. As coisas se rompem com facilidade.

Especialmente xícaras com valor sentimental muito maior que o artesanal.

****

(o copo de cerveja preenche outra boca. e o preenchimento se tranforma em beijo. os flashbacks sempre são reconfortantes.)

Mas o fato é que eu realmente precisava conversar.

Mas o fato é que eu vim aqui somente pra beber.

Você quer dizer que se eu cortasse os pulsos aqui na sua frente. Isso não faria diferença alguma? Porque você veio aqui só pra beber.

Você vai cortar os pulsos?

Não. Mas é como se eu fizesse isso. Como se eu fizesse isso toda vez que eu tenho que implorar a sua ajuda. Toda vez que eu tenho que pedir.

Você vai cortar os pulsos literalmente?

Não. Não vou.

Então. Continuamos na mesma. Eu vim aqui só pra beber.

Talvez eu devesse.

Você não deve nada. Pra ninguém. Muito menos pra mim. Assim, eu também não devo nada pra você.

Mas eu devo. Devo quarenta reais e cinqüenta centavos. Exatamente pra você. Pelo sanduíche de picanha. E pela cerveja. E pelos desatinos. E pelo meu coração partido.

Eu odeio dramaticidade. Paga a próxima rodada e tá tudo certo.

Eu odeio você.

Não. E justamente por isso é que é muito mais difícil.

(a menina olhou nos olhos da outra menina. e de repente percebeu que falava consigo própria. como vinha fazendo há mais de quatro anos. e permaneceu. no diálogo sem resposta. porque ainda não havia encontrado nela própria a pergunta.)

****

Exato.
Agora pegue a gemada e adicione ao quentão que já havia sido preparado previamente.

As claras em neve junte a farinha batida com outros quatro ovos e as 200 gramas de queijo gruyere. Mexa gentilmente. Leve ao forno por cerca de 40 minutos.

Tanto o suflê quanto o quentão devem ser consumidos no dia.





domingo, 13 de abril de 2008

"A tempestade passou."

Será que já é possível. Bem, parece que sim.

(arranca do peito o coração. fica um buraco. o coração ensangüentado nas mãos)

Deixa eu ver. Deixa eu ver.

(examina o coração. parece intacto. apesar de ter sido arrancado.)

É isso mesmo. Está intacto. Está pronto.

Pronto?

É, pronto.

Mas pronto pra quê?

Para ser comido no jantar. Acompanhado de batata souté.

Mas não era isso que eu esperava ouvir.

Ah minha querida, mas aí eu já não posso te ajudar. O coração está pronto para ser devorado por executivos engravatados. Você vai ganhar um bom dinheiro por isso.

(pausa)

Mas eu achava...

Não adianta achar nada. Veja, o coração não é mais seu. E admita. Faz tanta falta assim?

(pausa longa)

Eu realmente achava...

Não faz falta.

Eu achava que estava me apaixonando de novo. E que a frase de abertura "a tempestade passou" era justamente sobre isso.

Não. A tempestade passou mesmo. Olhe pela janela. Como é bonito o sol entrando.

(a menina olha pela janela. o coração ainda nas mãos. no peito, o buraco.)

E quanto à isso?

(apontando para o buraco)

Isso cicatriza. E daqui pra frente a existência fica mais tranqüila. Sem desatinos.

Desatinos?

É, desatinos. Desatinos do coração. Agora me passe aqui o seu coração. Precisamos colocá-lo cuidadosamente na bandeja. Dê aqui.

Não.

Isso pode ser feito do jeito fácil ou do jeito difícil...

(a menina enfia o coração no buraco do peito)

Você não devia ter feito isso. Agora vai morrer pobre e infeliz.

(música de redenção ao fundo. a menina faz um discurso lindo sobre o poder de amar e todas essas coisa bregas e piegas que ficam bonitas quando tem uma música redentora ao fundo)

(pausa longa)

Bom, foi muito bom te ver, mas agora eu tenho que ir.

Não esquece o guarda-chuva.