sábado, 24 de novembro de 2007

Com uma coca-cola em uma mão. De lata. Se bem que de garrafinha seria mais bonito. Mas não. Era lata de coca-cola mesmo. Sem canudo. Com uma lata de coca-cola em uma mão e um cigarro...

Que cigarro?

Importa?

Bem, importa um pouco. Eu quero dizer, depende se é longo ou normal, se o filtro é vermelho ou não... essas coisas, sabe? Coisas cênicas.

Ok.

Com uma lata de coca-cola sem canudo em uma mão...

Na qual mão?

Ah! E isso importa? Sério, isso realmente importa? Será que não é bem mais interessante descrever o estado psicológico da personagem?

Não sei. Eu confesso que gostaria de saber em qual mão se encontra cada coisa...

Eu odeio as suas malditas reticências.

Desculpe. Ponto final.

Eu posso continuar?

Sim, por favor.

Com uma lata de coca-cola na mão esquerda e um cigarro qualquer, mas de filtro vermelho na outra...

Isso não devia ser auto-biográfico?

Mas é. Por que?

Porque se é auto-biográfico o cigarro deveria ter filtro branco.

Eu estava num dia ruim. Pronto? Além do mais, o filtro vermelho é mais "cênico".

Eu não gosto muito de você quando você é irônica.

Eu não estou sendo irônica. Estou sendo sarcástica. Deixa eu evoluir a porra do texto?

Vai lá. Mas você não está sendo honesta.

Aaaaahhhh!!!!

Com uma lata de coca-cola sem canudo na mão esquerda e um marlboro vermelho na mão direita a menina caminhava pela rua.

(Pausa)

Continua.

Não. Era só isso mesmo.

Que chinfrim.

Escreve você o texto então.

Se você me permite.

Por favor.

A menina andava. A menina andava pela rua. A menina andava pela rua sem saber. Sem saber aonde ir. E sem saber ao certo. Se parar. Sem saber ao certo se parar no orelhão era mesmo a idéia mais acertada. Sem saber. Parou. E colocou o cartão e discou os números. Antes do primeiro toque. Bastante tempo antes do primeiro toque. Desistiu. Pegou com a mão esquerda a coca-cola deixada de lado. E desajeitadamente. Do bolso. Do bolso de maneira desajeitada tirou a carteira de cigarro. E jogou na primeira lixeira que avistou. Pacto de sangue. Pensou em jogar fora também a coca-cola. Mas não. Aquela seria a última coca-cola. Queria se despedir daquele gosto. Já havia deixado muita coisa para trás sem se despedir. Não seria assim. Não senhor. Não com a coca-cola.

A menina andava. Já sem nada nas mãos. Só a chave. Mas era no bolso. Não nas mãos. E lembrou de uma música. Até porque ventava. E era novembro mesmo. Mas Sol não havia. Ao contrário. Parecia que o que se aproximava era chuva. Sem medo. Sem medo algum. Sem medo algum continuou. Porque de chuva. Ah sim. De chuva ela entendia. E gostava. E achava cinematográfico. Caminhar na chuva. Na rua. Sem fazendas. Pensou em outra música. Os primeiros. Os primeiros nesse caso não serão os últimos. Os primeiros pingos. E ela olhou para cima. Porque achava genial olhar para cima para ver os pingos de chuva caindo, lá do alto, em seus olhos. Mas os pingos pararam de pingar. Bolas. Nem assim.

E passou perto de todos os lugares familiares. Como quem se despede. Porque se despediria. Sim.

Isso é tão injusto.

O que é injusto?

As pessoas já gostam muito mais de você do que de mim. E é sempre assim na minha vida. As pessoas sempre gostam mais de outras pessoas do que de mim. Mas pelo menos eu tinha essa coisa, sabe? O "ser genial", o "ser inteligente e criativo", o "bem escrever". E agora. Não mais. Você me roubou isso também. Agora as pessoas gostam mais de você. E gostam mais das suas coisas. E pra mim, bem, nada sobrou. Entende isso que eu estou dizendo?

Entendo. E acho uma xaropada. Sem crise de genialidade. Não vou ser eu a ficar dizendo que você é genial. Não não.

Eu sei. Eu sempre soube. Que isso assim. Ia. Ia sim. Inevitavelmente. Acontecer.

Mas nada está acontecendo. É só sobre uma menina que se despede. Porque deixou de se despedir anteriormente. E se arrependeu. Porque várias vezes ela não sabia que aquela seria a última vez. Sabe? A última vez em que se sentiria aquele determinado cheiro. Ou o último abraço apertado. O último beijo. A última palavra. A última lua cheia. A última moça triste na janela. Um final. É preciso dizer adeus. Ainda que soe exageradamente dramático. Diga adeus ao seu coração.

Ao meu? Mas ele está no lugar. Veja.

Como se fosse possível abrir o peito.

É sério. Veja.

(A menina em crise abre o próprio peito com uma naturalidade sem igual. Como se a carne. Os nervos. Os órgãos. Como se a carne e os nervos e os órgãos fossem feitos de marzipã. E pulsa. No exato lugar. Pulsa uma lâmpada elétrica. Sem referenciais a nenhum autor alemão. É uma lâmpada elétrica de fato. E ela pulsa. Biologicamente inexplicável. Realidade. Uma lâmpada.)

Lâmpadas significam idéia. Isso significa. O seu coração está preso.

Sem interruptor.

No mundo das idéias. É preciso desligar. Antes que queime.

(A menina - a outra - toca a lâmpada. Rapidamente retira seus dedos daquela superfície e leva-os a boca. Queimados. Lâmpadas de idéia esquentam.)

Hum... não sei mais. O seu coração é quente. Deixa estar. Fecha o peito.

E diz adeus. Ou apenas um tchau de longe.

(Como se fosse fácil. Ali está. O peito. Reestruturado. Mas igual a antes.)

A menina caminha. E nas mãos apenas uma queimadura. Pequena. Diminuta. De nada. Olha para trás. Cerca de uns dez passos depois. E acena.

As despedidas não sabem que assim o são.

A menina - a outra - acena de volta. Porque acenos precisam ser retribuídos. Mesmo que da última vez.

Uma lâmpada. Uma menina. E a calma. De saber que nunca se está só. Nem que esta seja a última lua cheia. Ainda existe luz elétrica.

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