domingo, 27 de abril de 2008

Eu queria muito contar uma estória bonita. Dessas, assim, com final feliz e tudo o mais.
Mas acontece que eu não posso.
Acontece que na minha frente restaram apenas uma meia-dúzia de batatas Pringles e um guaraná kuat, já meio sem gás, que eu misturei com vodka DobleW.
Bom, a vodka é produzida lá na minha cidade. O Pringles não.

Uma vez eu amei alguém. E teve outra vez também. Mas é engraçado. As pessoas que eu amei nunca souberam ser amadas por mim. E você veja que com isso eu não estou dizendo se o problema é delas ou meu. Porque eu ainda não sei.

Honestamente. Eu vim aqui pra beber.

(a menina leva o copo até a boca. e tem um flashback de suas mãos levando um copo de cerveja até outra boca.)

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Essa é assim.

Você pega dois ovos. E separa as gemas das claras. As claras você bate bem. Bate forte. Até virarem claras em neve. Às gemas você acrescenta açúcar. E bate. Bate bem. Bate forte. Até virar um creme amarelo claro.

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O curioso da vida é que todo mundo vai morrer um dia. Algumas pessoas vão ter xícaras quebrads. Xícaras da década de 70. E não vão ter ninguém pra culpar que não si próprias.

Quem mandou tirar a xícara de casa?

É só porque eu confiava nela...

Na xícara?

Não. Na menina para quem eu levei a xícara um dia.

Você deveria saber que naquela situação não se confiaria nem uma xícara de plástico.

Mas eu confiei. Por isso a culpa é unicamente minha.

Naquela casa nem o plástico resiste. Que dirá o vidro.

É. Eu esqueci. Eu esqueci das fragilidades. As coisas se rompem com facilidade.

Especialmente xícaras com valor sentimental muito maior que o artesanal.

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(o copo de cerveja preenche outra boca. e o preenchimento se tranforma em beijo. os flashbacks sempre são reconfortantes.)

Mas o fato é que eu realmente precisava conversar.

Mas o fato é que eu vim aqui somente pra beber.

Você quer dizer que se eu cortasse os pulsos aqui na sua frente. Isso não faria diferença alguma? Porque você veio aqui só pra beber.

Você vai cortar os pulsos?

Não. Mas é como se eu fizesse isso. Como se eu fizesse isso toda vez que eu tenho que implorar a sua ajuda. Toda vez que eu tenho que pedir.

Você vai cortar os pulsos literalmente?

Não. Não vou.

Então. Continuamos na mesma. Eu vim aqui só pra beber.

Talvez eu devesse.

Você não deve nada. Pra ninguém. Muito menos pra mim. Assim, eu também não devo nada pra você.

Mas eu devo. Devo quarenta reais e cinqüenta centavos. Exatamente pra você. Pelo sanduíche de picanha. E pela cerveja. E pelos desatinos. E pelo meu coração partido.

Eu odeio dramaticidade. Paga a próxima rodada e tá tudo certo.

Eu odeio você.

Não. E justamente por isso é que é muito mais difícil.

(a menina olhou nos olhos da outra menina. e de repente percebeu que falava consigo própria. como vinha fazendo há mais de quatro anos. e permaneceu. no diálogo sem resposta. porque ainda não havia encontrado nela própria a pergunta.)

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Exato.
Agora pegue a gemada e adicione ao quentão que já havia sido preparado previamente.

As claras em neve junte a farinha batida com outros quatro ovos e as 200 gramas de queijo gruyere. Mexa gentilmente. Leve ao forno por cerca de 40 minutos.

Tanto o suflê quanto o quentão devem ser consumidos no dia.





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