segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Eu percorro distâncias. Eu vou longe. Eu percorro longas distâncias só pra chegar até você.

Eu. Dentro de um táxi. Eu. Dentro de um ônibus. Eu. Parada. Diante de você. Os meus olhos peregrinam na mais sagrada romaria. Olhos com um único foco e objetivo de devoção. A tua boca. Meu olhos peregrinos focam esperando as mais divinas bênçãos. Nesta romaria meus olhos, peregrinos atentos, não tem pressa. E o resto de mim, o que está além dos olhos, sente todas essas pequenas correntes elétricas. Centenas de milhares de correntes elétricas que percorrem todo o meu corpo. Sem necessidade de toques ou palavras. Só desse foco de devoção atenção. Uma corrente elétrica plasmática que percorre todo o meu corpo muito mais rápido que o meu sangue. Muito mais rápido que essa metástase metafórica. Os meus peregrinos não se desconcentram. Esperam apenas. Olham apenas. Talvez tremam. Amam. Em sagrada devoção.

As centenas de milhares de correntes elétricas unem-se numa única. Porque também é único o meu objeto de atenção. Agora não só dos olhos. Mas de todos os órgãos - maiores e menores. A corrente elétrica plasmática que percorre todo o meu corpo em muito menos de oito segundos se intensifica. Afeta. Em oração eu escuto o som da tua respiração. Ainda que não tenha as mãos juntas. Ainda que não tenha juntos os nossos corpos. Em oração eu escuto, não com o ouvido, o som dos elétrons, prótons e nêutrons em movimento. Escuto cada átomo do teu corpo. Cada átomo que, eu sei eu sinto, também me escuta. A eletricidade está presente em tudo. Estática. Mas no meu corpo se fez corrente e percorre. Caminha pelas minhas veias como caminhasse em direção ao abismo. Queda frenética logo mais a frente. Em oração eu aceito. Não tenho medo.

Eu corro. A eletricidade corre. Percorre. Meu olhos, peregrinos imóveis, clamam por você. Focam, desfocadamente, a tua boca. Meus olhos escutam. Meus olhos de ouvidos bem abertos pra ouvir o som dos teus órgãos e da tua pele. O teu coração, dividido em quatro, pulsa na mesma batida do meu abrir e fechar de pálpebras. E eu me pergunto para quê servem as distâncias. Para quê serve a saudade de algo que está aqui. Diante de mim.

Então num movimento brusco os meus olhos são obrigados ao desvio. Eles se desviam, pois peregrinos humildes acham-se pouco dignos de fitar os teus. Desviam-se porque no movimento nos tocamos. Rapidamente nos tocamos e as correntes elétricas viram explosões de bolhas de sabão. Prismas. Brilhantes. Como se fossem produzidas em larga escala por uma máquina de lavar de amor no meio de uma revolução. Pode ser a revolução cubana. Pode ser esta revolução passageira do meu sangue contra mim. Impedindo o raciocínio prático. Não. Uma máquina. É preciso voltar. Ainda não acabou a procissão.

Como se fosse impossível exigir dos teus lábios uma abertura maior que comportasse mais do que uma palavra faço uma pergunta com possibilidade de resposta monossilábica. Você me olha. Imbuídos do mais puro sentimento de fé e devoção meus olhos se permitem repousar nos teus. A espera do sim ou do não. É quando uma espécie de pavor súbito me acomete. Como se você, ao abrir a boca, pudesse me transformar em pedra. E poderia. Como uma Medusa de sentidos trocados, você poderia. Dessa vez meus olhos não se desviam. Esperam. Ainda que apavorados. Esperam sempre. Esperam para sempre. Que esta tua resposta faça permanecer. Esperam a chuva. Uma chuva metafórica de bênçãos infinitas. Esperam pacientemente a chuva. A chuva hiperbólica que vem de dentro. A chuva de dentro do próprio guarda-chuva. Assim seja.

Um comentário:

Anônimo disse...

a eletricidade me lembra o leland.

adoro sempre os teus textos e adoro sentir as centenas de milhares de correntes elétricas que te percorrem.